terça-feira, 31 de maio de 2011

A EFETIVIDADE DO DIREITO Á SAÚDE NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO



FABIANA DE FÁTIMA FERREIRA GUIMARÃES[*]

Resumo


A Constituição da República Federativa do Brasil prescreve, em seu artigo 6º, o direito à saúde. No constitucionalismo contemporâneo,tais direitos não são apenas programas de orientação para o legislador ou Poder Executivo;a teoria dos direitos fundamentais,no paradigma constitucional atual,concebe-os como normas dotadas de plena efetividade.analisando algumas decisões do Poder Judiciário,levantadas no âmbito do Tribunal de Justiça de Minas Gerais-TJMG,do Supremo Tribunal Federal-STF e do Superior Tribunal de Justiça –STJ,em sede da aplicação do direito à saúde ,observa-se a existência de tendências divergentes,demonstrando a adoção de pressupostos diferenciados quanto à natureza e alcance deste direito social.Nesse contexto,a presente pesquisa investigou, a partir da análise da cobertura vacinal através da política públicas e das decisões do Poder Judiciário Brasileiro,a efetividade do direito constitucional á saúde.A análise das políticas públicas referentes à cobertura vacinal denotaram a limitação do alcance subjetivo deste direito,abrindo questionamentos quanto á racionalidade argumentativa das escolhas públicas nesta temática.A pesquisa, ao ratificar a hipótese,levantou variáveis relevantes a serem consideradas em outras investigações sobre o mesmo objeto,especialmente quanto à efetivação do direito à saúde no ordenamento jurídico brasileiro.A adoção de tendências interpretativas conservadoras e a observação de limitações impostas à amplitude deste direito,ambas observadas em decisões institucionalizadas pelo Judiciário e Executivo respectivamente,apontam a dificuldade de implementação do direito à saúde à luz Do Estado Democrático de Direito.

Palavras-chave: Efetividade; Direito à saúde; Estado Democrático de Direito.          
1 INTRODUÇÃO



A Constituição da República Federativa do Brasil, considerada como uma verdadeira conquista no que diz respeito aos direitos sociais, insere no campo destes o direito à saúde, previsto no art. 6º da carta Constitucional como um sendo um direito social fundamental também reservando a ele posteriormente capítulo próprio, correspondente ao art. 196 a 200, tratando aí prestações e serviços relacionados à tal direito. 
O presente estudo visa investigar a efetividade do direito à saúde no Estado Democrático de Direito, contextualizando as características do Estado Democrático de Direito frente à ação do poder público mediante políticas públicas para garantir a efetividade de tal direito, considerando nesta relação a posição do poder Judiciário frente a inefetividade de um direito social fundamental. 
O direito à saúde mesmo sendo considerado um direito fundamental social, que tem sua efetividade justificada constitucionalmente pelo princípio da proteção ao mínimo existencial, não consegue ser efetivado de forma ampla, visto que até mesmo em ações públicas com caráter preferencial previsto pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, como é o caso da cobertura vacinal, deixam de ser realizadas.
O estudo possui assim extrema relevância jurídico-científica e jurídico social.
Dessa forma, o presente estudo, ao demonstrar a não efetividade do direito social à saúde pelo Estado por meio de políticas públicas eficazes e eficientes, assim como a incongruência das decisões judiciais no que se refere ao direito à saúde, poderá contribuir: 1) para a disseminação de teorias analisadas no âmbito da academia; 2) para mapear as tendências de aplicação pelo Poder Judiciário Brasileiro, viabilizando a discussão de efetividade do direito à saúde no contexto da teoria concretista de interpretação (relevância jurídico- científica).
Por outro lado, a formulação de ações educativas e a socialização dos resultados da investigação poderão contribuir para que a sociedade civil possa conhecer o conteúdo e o alcance do direito constitucionalmente garantido à saúde, propiciando a adoção de mecanismos que possam propiciar a implementação deste direito fundamental (relevância jurídico-social).
Busca-se mesmo que de forma sucinta contribuir para uma maior informação no que se refere à concretude de um direito que passa por inúmeras fases de reconhecimento até ser implementado dentro do ordenamento jurídico constitucional, podendo a partir de então buscar uma plena efetividade de um direito social constitucionalmente fundamental.
O procedimento metodológico utilizado para a compreensão do direito à saúde como um direito fundamental dotado de todas as características inerente a estes, foi a análise documental e bibliográfica, que especificam e denotam os aspectos históricos, interpretativos e fáticos da aplicação de tais direitos, assim como a posição do poder judiciário mediante a não efetividade destes por parte do poder público. 
Para que se tecesse um conhecimento parcial no que diz respeito ao reconhecimento do direito à saúde como um direito fundamental, apresenta-se inicialmente o que são os direitos fundamentais, abordando seus aspectos históricos,tal abordagem faz-se densamente necessária,pois através da análise histórica consegue-se alcançar um mais preciso embasamento teórico a respeito do tema.   
 A referência às políticas públicas no Brasil e o conceito do Estado democrático de direito, tem o intuito de proporcionar  a compreensão intrínseca de se adotar  a cobertura vacinal como elemento essencial para a efetivação do direito à saúde, por se tratar de uma ação que envolve atividades preventivas, tendo estas prioridades reconhecidas pelo ordenamento constitucional.
A efetividade do direito à saúde no Estado democrático de direito, assim como a posição do poder judiciário é tratada a partir da  inserção de uma nova dogmática jurídica a qual colide seus conceitos com os conceitos anteriormente adotados pelo positivismo jurídico, abrindo caminho para novas técnicas interpretativas das normas constitucionais.
A análise de decisões judiciais levantadas para a elaboração do presente estudo demonstram que o Poder Judiciário muitas vezes reconhece a situação fática em análise, mas não de forma a concretizar a normatividade da norma, respondendo satisfatoriamente ao conflito no contexto de um procedimento racional de concretização. Outras decisões, apoiadas no princípio da reserva do possível, negando a existência da garantia do mínimo existencial que levando em consideração a técnica da ponderação se sobre-pesaria sobre um princípio de ordem financeira,deixam de efetivar o direito à saúde.




2. Direitos fundamentais

2.1 O Que São Direitos Fundamentais?



A simples concepção semântica da expressão “Direitos Fundamentais”, remeteria de imediato à idéia de que tais direitos seriam todos aqueles essenciais ao homem. A concepção doutrinária de tal expressão não gera um  resultado diferente de tal significado, somente acrescenta a ele algumas outras peculariedades que diferenciarão tais direitos dos demais direitos expressos em um determinado ordenamento jurídico-constitucional, inclusive dos direitos humanos.  
Como bem leciona Vieira(2009): “Direitos fundamentais” é a denominação comumente empregada por constitucionalistas para designar o conjunto de direitos da pessoa humana expressa ou implicitamente reconhecidos por uma determinada ordem constitucional.   
A designação dos “Direitos fundamentais”, como conjunto de direitos da pessoa humana, costuma causar certa confusão entre as expressões “Direitos fundamentais” e  “Direitos humanos”.
Sarlet (2009), apesar de apresentar as distinções existentes entre essas duas expressões, considera que a posição de alguns doutrinadores ao usar tais expressões como sendo sinônimas, não pode ser avaliada como sendo inaceitável, posto que: “ [...] não há dúvidas de que os direitos fundamentais, de certa forma, são também sempre direitos humanos, no sentido de que seu titular sempre será o ser humano, ainda que representado por entes coletivos (grupos, povos, nações, Estados)”(Sarlet, 2009,p.29)
Como mesmo afirma o autor se este fosse o único motivo para considerar as expressões como sinônimas, impor-se-ia a utilização uniforme do termo, porém não se encontram diante destas circunstâncias  argumentos idôneos a justificar a distinção.  
Sendo assim, posiciona-se Sarlet (2009):


Em que pese sejam ambos os termos (“direitos humanos e “direitos fundamentais”)comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão “direitos humanos” guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto aspiram à validade universal,para todos os povos e tempos,de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional).(Sarlet,2009,p.29).


Alguns doutrinadores, como por exemplo, Barros (2003) aqui no Brasil, considera as duas expressões como sinônimas. Contudo, segue-se sustentando a diferenciação. Não é uma diferença somente terminológica, mas conceitual, porque os dois termos não se identificam quanto ao seu conteúdo.   
É doutrinariamente dominante a posição da diferenciação entre “Direitos fundamentais” e “Direitos Humanos”, considerando a questão da positivação por uma determinada ordem constitucional.
Consoante aos ensinamentos de Sarlet,

O mais importante critério de distinção tem sido o plano ou esfera de positivação. Direitos Humanos são direitos reconhecidos e positivados pela ordem jurídica internacional,enquanto direitos fundamentais são direitos positivados no plano ou na ordem jurídica constitucional (Sarlet,2006) . 

Canotilho(1999) estuda os direitos fundamentais, enquanto direitos jurídico-positivamente vigentes numa ordem constitucional, sendo que o local exato de sua positivação jurídica é a Constituição, assim como acrescenta o autor apresentando os dizeres de Cruz Villalon: onde não existir Constituição não haverá direitos fundamentais.
Após a breve distinção apresentada entre “direitos fundamentais” e “direitos humanos”, opta-se pela a utilização da terminologia direitos fundamentais, pois como se posiciona Sarlet(2009), no sentido do conteúdo material, os direitos humanos também podem ser considerados fundamentais. Todavia, os direitos humanos não compartilham da eficácia,das garantias constitucionais de que gozam os direitos fundamentais
Ademais, a pertinente preferência pelo uso de tal terminologia frente ao objeto do presente estudo: o direito à saúde, ainda mais se acentuará à medida que se aprofundar o estudo acerca das características exclusivamente inerentes aos direitos fundamentais.
Para complementar as definições de direitos fundamentais até então apresentadas, fixando a sua condição de direito positivado por uma ordem jurídica constitucional, dá-se a definição de direitos fundamentais trazida por Schmit(1996):

[...] os direitos fundamentais em sentido próprio são, essencialmente direitos ao homem individual, livre e, por certo, direito que ele tem frente ao Estado, decorrendo o caráter absoluto da pretensão, cujo o exercício não depende de previsão em legislação infraconstitucional, cercando-se o direito de diversas garantias com força constitucional, objetivando-se sua imutabilidade jurídica e política  (Schmit,1996,p. 105) .

Moraes(2009) aduz a posição de  Canotilho que expõe a função dos direitos fundamentais, como sendo direitos de defesas dos cidadãos sob uma dúplice perspectiva, sendo esta respectivamente  objetiva e subjetiva:

 [...] (1)constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente os direitos fundamentais  (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa)”. (Moraes,2009) .


A constitucionalização dos direitos fundamentais veio concretizar anos e anos de luta pela valorização do ser humano em suas necessidades mais elementares diante do estado e de seus interesses, conforme considerações de Pacheco(2009).
Segundo Alexy(2008), uma teoria geral dos direitos fundamentais expressa um ideal teórico, tendo como objetivo:

[...] uma teoria integradora, a qual engloba,da forma mais ampla possível,os enunciados gerais,verdadeiros ou corretos,passíveis de serem formulados no âmbito das três dimensões e os combine de forma otimizada.Em relação a uma tal teoria,pode-se falar em uma “teoria ideal dos direitos fundamentais”.toda teoria dos direitos fundamentais realmente existente consegue uma aproximação deste ideal.(Alexy,2008,p.39).


Considera-se a partir do posicionamento de Alexy(2008), que não será possível considerar uma teoria dos direitos fundamentais de forma isolada, isto porque não há uma teoria que consiga de forma pronta e acabada trazer todas as definições e implicações voltadas aos direitos fundamentais, pode haver a possibilidade de considerar a teoria dos direitos fundamentais como uma teoria integradora, mas não como uma teoria geral, já que isto como mesmo afirma Alexy(2008) seria um ideal teórico.
A apresentação dos aspectos históricos dos direitos fundamentais, trará fundamentos  para se atentar a uma melhor concepção com relação a estes, representados por uma teoria integradora como acima aludido.




2.2.Aspectos Históricos dos Direitos Fundamentais


Ao abordar sinteticamente os aspectos históricos dos direitos fundamentais, interessa  encontrar  a justafundamentalidade de serem direitos que foram de forma tão considerável recepcionados por nosso ordenamento jurídico constitucional  e assim ainda permanecem, não apenas como repercursores de direitos por eles expressamente declarados, mas como justificadores de outros tantos demais direitos concedido implicitamente pela Constituição Federal, como bem pontua Barcellos(2008).
Não obstante haja algumas controvérsias de como,onde e porque nasceram os direitos fundamentais, consoante aos ensinamentos de Sarlet (2009) ,é cogente frisar que :

[...] a perspectiva histórica ou genética assume relevo não apenas como mecanismo hermenêutico, principalmente pela circunstância de que a história dos direitos fundamentais é também uma história que desemboca no surgimento do moderno Estado constitucional, cuja essência e a razão de ser residem justamente no reconhecimento e na proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais do homem.Neste contexto,há de dar razão aos que ponderam ser a história dos direitos fundamentais,de certa forma (e, em parte,poderíamos acrescentar ), também a história da limitação do poder . (Sarlet,2009,p.36).

Cumpre salientar os marcos históricos, destacando as concepções filosóficas predominantes que antecederam e influenciaram o reconhecimento constitucionalizado desses direitos, como bem expõe Sarlet  (2009).
Tais momentos e  concepções doutrinárias, são divididos por Sarlet (2009) em três fases,sendo estas: uma pré-histórica, que se estende até o sec. XVI;uma fase intermediária,que corresponde ao período de elaboração da doutrina jusnaturalista e da afirmação dos direitos naturais do homem e a fase de constitucionalização, iniciada em 1776, com as sucessivas declarações de direitos dos novos Estados Americanos.
Os direitos fundamentais passam por um processo de reconhecimento  na esfera do direito positivo, tendo como ponto de partida os direitos estamentais prosseguindo até os direitos fundamentais constitucionais do século XVIII, assim  ensina Sarlet (2009), que apresenta os apontamentos de Perez Luno em relação ao processo de elaboração doutrinária dos direitos humanos :

Tais como reconhecidos nas primeiras declarações do século XVIII,foi acompanhado na esfera do direito positivo, de uma progressiva recepção de direitos,liberdades e deveres individuais que podem ser considerados os antecedentes dos direitos fundamentais.(Sarlet,2009,p.41) 


A importância das cartas de franquias medievais dadas pelos reis aos vassalos, na afirmação de Canotilho (1999) ,costuma ser salientada pela proto-história dos direitos fundamentais, sendo a mais célere destas a Magna Charta Libertatum de 1215:


Não se tratava,porém, de uma manifestação da idéia de direitos fundamentais inatos,mas da afirmação de direitos corporativos da aristrocacia feudal em face de seu susserano.A finalidade da Magna  Charta  era, pois, o estabelecimento de um modus vivendi  entre os reis e barões ,que consistia fundamentalmente no reconhecimento de certos direitos de supremacia ao rei, em troca de certos direitos de liberdade estatamentais consagrados na franquia.  (Canotilho,1999,p.358)

Considera  Sarlet (2009), que a Magna Charta, assim como outras demais cartas de franquia e forais outorgados pelos reis portugueses e espanhóis  nos séculos XII e XIII, eram portadores de “direitos” e privilégios reconhecidos na época medieval que não poderiam ser considerados como tendo o caráter de autênticos direitos fundamentais:


[...] uma vez outorgados pela autoridade real num contexto social e econômico marcado pela desigualdade, cuidando-se mais, propriamente, de direitos de cunho estamental, atribuídos a certas castas nas quais se estratificava a sociedade medieval, alijando grande parcela da população do seu gozo. (Sarlet,2009,p.41)

Como assevera Camargo(2007):

Durante o século XIII, o rei da Inglaterra se tornou uma das pessoas mais poderosas de toda Europa, no inicio do século, o Rei João, conhecido como “rei João sem terra”, após inúmeros fracassos, provocou a ira de barões ingleses e estes resolveram colocar-lhe limites.(Camargo,2009).


Certifica Camargo que a forma que os barões encontraram para impor tais limites ao rei ,foi obriga-lo a assinar o documento que ficou conhecido como a referida Magna Carta, a qual enfrentou diversas resistências do rei , o que provocou uma guerra civil,o rei João morreu antes do fim da guerra, assumiu seu herdeiro, o Rei Henrique II, que republicou a Carta em 1225 e posteriormente foi republicada em 1272 por seu sucessor, desta vez já fazendo parte do direito inglês.Proclamava seu item.39:

Nenhum homem livre será preso, aprisionado ou privado de uma propriedade, ou tornado fora-da-lei, ou exilado, ou de maneira alguma destruído, nem agiremos contra ele ou mandaremos alguém contra ele, a não ser por julgamento legal dos seus pares, ou pela lei da terra.(Camargo,2009).

Comparato(2008), salienta que a causa inicial da busca dos cidadãos pelos seus direitos foi a pressão tributária exercida pelo rei da Inglaterra sobre a nobreza,a qual passou a exigir periodicamente, como condição para o pagamento de impostos, o reconhecimento formal de seus direitos.
Assim considera Ferreira Filho (2000) que a Magna Carta aponta a judicialidade um dos princípios do Estado de Direito: “De fato ela exige o crivo do juiz relativamente à prisão do homem livre. Está no seu item 39,que nenhum homem livre será detido ou preso,ou despojado de seus bens,exilado ou prejudicado de qualquer maneira que seja.”
Mesmo estes pactos, incluindo a magna charta , não sendo portadores de “autênticos” direitos fundamentais,como assegura Canotilho (1999), não podia se descartar a considerável  importância para a posterior formação dos direitos fundamentais e acrescenta: “Mas a Magna Charta, embora contivesse fundamentalmente direitos estamentais, fornecia já “aberturas” para a transformação dos direitos corporativos em direitos do homem.”
Ainda complementa Sarlet(2009):

[...] ainda assim ,impede não negligenciar a importância desses pactos, de modo especial as liberdades constantes da Magna Charta, para ulterior desenvolvimento e reconhecimento dos direitos fundamentais nas constituições, ainda mais quando é justamente no seu já referido art. 39 que a melhor doutrina – contrariando a ainda prestigiada tese de Georg Jellinek, no sentido de que a liberdade religiosa teria sido o primeiro direito fundamental- vê a origem destes direitos na liberdade de locomoção e a proteção contra a prisão arbitrária, por  constituir pressuposto necessário ao exercício das demais liberdades,inclusive da liberdade de culto e de religião.(Sarlet,2009,p.41)


Os direitos do homem, na afirmação de Sarlet (2009), têm sua origem na Inglaterra, pois a Magna Carta de 1215, como seu próprio nome indica foi a primeira declaração temporária entre o rei e seus súditos que o ameaçavam de não mais pagar impostos caso não tivessem seus direitos devidamente formalizados.
Na evolução gradativa dos direitos fundamentais, como bem pontua Pacheco (2009), não só a Magna Carta, mas também tantas outras declarações que surgiram neste mesmo período com intuito de limitar o poder estatal, como uma oposição do indivíduo ante o soberano, não raras vezes agindo com abuso de poder, invadindo a esfera particular do homem, são indubitavelmente os traços básicos peculiares à história dos direitos fundamentais.
No Dizeres de Sarlet (2009) :

Esta limitação do poder real favorecendo a liberdade individual, conduzidas pela positivação de direitos e liberdades civis na Inglaterra, reconhecidamente como sendo de grande importância para a evolução dos direitos do cidadão, inclusive como fonte de inspiração para outras declarações, não pode ser ainda, ser considerada o marco inicial, isto é, como o nascimento dos direitos fundamentais no sentido que hoje se atribui ao termo. (Sarlet,2009,p.43)

Na verdade o conteúdo de tais declarações na Inglaterra, que limitavam o poder real, eram apenas uma fundamentalização dos direitos e não uma constitucionalização dos direitos e liberdades individuais  fundamentais, assim posiciona-se Sarlet no sentido de que:


Fundamentalmente, isso se deve ao fato de que os direitos e liberdades – em que se pese a limitação do poder monárquico – não vinculam o Parlamento, carecendo, portanto,da necessária supremacia e estabilidade,de tal sorte que, na Inglaterra, tivemos uma fundamentalização, mas não uma constitucionalização dos direitos e liberdades individuais fundamentais.Ressalte-se,por oportuno, que esta fundamentalização não se confunde com a fundamentalidade em sentido formal, inerente à condição de direitos consagrados nas Constituições escrita (em sentido formal). (Sarlet, 2009, p.43).

As teorias contratualistas contribuíram de forma especial para a doutrina jusnaturalista atingir seu ponto culminante de desenvolvimento, a partir do século XVI , mas principalmente a partir do séc. XVII e XVIII ,como aduz Sarlet (2009).
O que se pode salientar,em relação ao período jusnaturalista, do qual faziam parte tais doutrinas, pontua Barroso (2009):

A modernidade ,que se iniciara no século XVI,com a reforma protestante,a formação dos Estado nacionais e a chegada dos europeus à América, desenvolve-se em um ambiente cultural não mais integralmente submisso à teologia cristã.Desenvolvem-se os ideais de conhecimento e de liberdade, no início de seu confronto com o absolutismo.O jusnaturalismo passa a ser a filosofia natural do Direito e associa-se ao iluminismo na crítica à tradição anterior, dando substrato jurídico-filosófico às duas grandes conquistas do mundo moderno: a tolerância religiosa  e limitação ao poder do Estado.A burguesia articula sua chegada ao poder. (Barroso,2009,p.45).    

O reconhecimento dos direitos naturais e a limitação do poder do Estado,foi o ponto de partida para importantes acontecimentos políticos e sociais,assim ratifica Barroso(2009):


A crença de que o homem possui direitos naturais,vale dizer,um espaço de integridade e de liberdade a ser obrigatoriamente preservado e respeitado pelo próprio Estado,foi o combustível das revoluções liberais e fundamento das doutrinas políticas de cunho individualista que enfrentaram a monarquia absoluta.(Barroso,2009,p.45)


Como descreve Sarlet (2009), o processo de elaboração doutrinária do contrato e da teoria dos direitos naturais, foi resultado das teorias defendidas por Rousseau (1712-1778) na França, por Tomas Paine (1737-1809) na América e Kant(1724-1804) na Alemanha (Prússia), sendo estas teorias ocorridas no âmbito do Iluminismo jusnaturalista. Ressalta-se  que a expressão “direitos do homem” no lugar do termo “direitos naturais” foi popularizada na obra de Paine.  
Como apresenta Sarlet (2009), para Noberto Bobbio ,o pensamento Kantiano foi o marco conclusivo desta fase da história dos direitos humanos.Kant, ampara a idéia de que todos os direitos estão abrangidos pelo direito de liberdade,direito natural por excelência,que cabe a todo homem em virtude de sua própria humanidade ,encontrando-se limitado apenas pela liberdade coexistente dos demais homens.Conforme ensina Bobbio, Kant inspirado em Rosseau,definiu a liberdade jurídica do ser humano como a faculdade de obedecer somente às leis às quais deu seu livre consentimento,concepção esta que fez escola no âmbito do pensamento político,filosófico e jurídico. 
Barroso(2009), acrescenta ainda que :

A revolução Francesa e sua declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e, anteriormente, a declaração de independência dos Estados Unidos  (1776) estão impregnadas de idéias jusnaturalistas de John Locke,autor emblemático dessa corrente filosófica e do pensamento contratualista, no qual foi antecedido por Hobbes e sucedido por Rousseau.Sem embargo da precedência histórica dos ingleses, cuja Revolução Gloriosa foi incluída em 1689, o Estado Liberal ficou associado a esses eventos e a essa fase da humanidade.O constitucionalismo moderno inicia sua trajetória.(Barroso,2009.p.6)     


Há discrepância doutrinária com relação a definição de qual foi  o berço dos direitos fundamentais: A “ Declaração de direitos do povo da Virgínia”, de 1776 ou a “Declaração francesa”, de 1789.
Como defende Sarlet(2009), é a Declaração de direitos do povo da Virgínia que marca a transição dos direitos de liberdades legais ingleses para os direitos fundamentais constitucionais:

[...] pela primeira vez os direitos naturais do homem foram acolhidos e positivados como direitos fundamentais constitucionais, ainda que este status constitucional da fundamentalidade em sentido formal tenha sido definitivamente consagrado somente a partir da incorporação de uma declaração de direitos à Constituição de 1791,mais exatamente, a partir do momento em que foi afirmada na prática da Suprema Corte a sua supremacia normativa. (Sarlet,2009,p.43)


Assumindo uma outra posição, Bonavides(2003) alinha-se à concepção de que a partir da Declaração Francesa, pode-se verificar que tal declaração  era portadora de um grau de abrangência muito mais significativo do que as declarações inglesas e americanas, e afirma:    

[..]. se dirigiam a uma camada social privilegiada (os barões feudais), quando muito a um povo ou a uma sociedade que se libertava politicamente, conforme era o caso das antigas colônias americanas, ao passo que a Declaração Francesa de 1789 tinha por destinatário o gênero humano. (Bonavides,2003,p.35)


Pode-se avaliar a partir da posição de Bonavides (2003) que a Declaração francesa designava um caráter humano de grande importância, assumindo sua universalidade.
E como mesmo posiciona-se Sarlet(2009): A contribuição francesa, no entanto, foi decisiva para o processo de constitucionalização e reconhecimento de direitos e liberdades fundamentais nas Constituições do séc. XIX.”  
Apresentada em síntese a posição de duas correntes doutrinárias, pode-se compreender de forma evidente que, apesar de divergentes, ambas concordam com a contribuição da Revolução Francesa para o reconhecimento dos direitos fundamentais presentes nas Constituições, de maneira concernente aos interesses e proteção do cidadão. 
Além das supra citadas declarações de direitos, podem ser citadas ainda a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, a Declaração Universal de Direitos do Homem e a Declaração Norte-Americana.
  A Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, nos dizeres de Silva(2000),  embora tenha sido uma Declaração relevante e influente para outros textos constitucionais, não tivera a repercussão e influência universal que se esperava.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, segundo Bobbio (2004), em seu início reconhecem a dignidade inerente a toda pessoa humana e seus direitos iguais e inalienáveis como fundamento de liberdade, da justiça e da paz em todo o mundo.O autor ainda complementa com a idéia de que a expressa concepção de direitos inerentes à natureza humana importa em não conceder legitimidade a nenhuma pessoa, governo ou instituição para retirar tais direitos em qualquer situação.
Tal declaração como bem acrescenta  Dallari(1988) apresenta três objetivos fundamentais:

“1) a certeza de direitos, devendo haver uma fixação prévia e clara dos direitos e deveres; 2) a segurança dos direitos, havendo normas que garantam que em qualquer circunstância os direitos fundamentais serão respeitados; e 3) a possibilidade dos direitos, devendo-se assegurar a todos os indivíduos os meios necessários para a fruição dos direitos fundamentais.”(Dallari,1988,p.212)


A Declaração Norte-Americana, atinente aos apontamentos de Silva (2009), “[..] não continha inicialmente uma declaração de direitos fundamentais. Assim, em 1791 foram aprovadas dez Emendas Constitucionais, às quais se acrescentaram outras até 1975, constituindo o Bill of Rights do povo americano”.
 Perante as  considerações acerca de tais  Declarações de Direitos, nota-se sua relevância para a evolução histórica e concretização dos direitos fundamentais. Importante lembrar que inúmeros outros documentos contribuíram para o processo evolutivo destes direitos, tais como as diversas Cartas e Pactos celebrados ao longo dos tempos, porém, até então, considera-se suficiente  à análise das Declarações acima citadas para que possamos fixar a positivação e disseminação de tais direitos na esfera constitucional brasileira.
Como afirma Moraes(2009): “Modernamente, a doutrina apresenta-nos a classificação de direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira gerações, baseando-se na ordem histórica cronológica em que passaram a ser constitucionalmente reconhecidos.”
Tal acompanhamento cronológico se deve ao fato como se pode constar mediante a exposição histórica, que na verdade a medida que os paradigmas de Estado exigiam uma ordem constitucional dotada de diferentes necessidade sociais, os direitos fundamentais inerentes a tais necessidades iam sendo implementados ao ordenamento constitucional.
Na posição de Mello, trazida por Moraes (2009):

Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos )- que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais- realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade.” (Moraes,2009,p.31)        


Como apresenta Bonavides(2003),o Paradigma do Estado Liberal de direito,que sucedeu o regime político absolutista, teve algumas de suas bases teóricas lançadas por Locke e Montesquieu, tal modelo de Estado teve como centralidade a  difusão da idéia de direitos fundamentais,de separação de poderes,bem como, do império das leis,próprias dos movimentos constitucionalistas que impulsionaram o mundo ocidental a partir da já referida Magna Charta Libertatum de 1215.
O  paradigma do Estado Liberal  demonstra  uma clara separação entre o que é público, ligado às coisas do Estado (direitos à comunidade estatal: cidadania, segurança jurídica, representação política etc.) e o privado, principalmente, a vida, a liberdade, a individualidade familiar, a propriedade, o mercado (trabalho e emprego capital) etc. Essa separação apresentada era garantida por mediação do Estado, que lançando mão do império das leis, garantia a certeza das relações sociais por meio do exercício estrito da legalidade, sendo esta a versão de Canotilho( 1999).
Com a delimitação estabelecida entre espaço privado e espaço público, o indivíduo guiado pelo ideal da liberdade busca no espaço público a possibilidade de materializar as conquistas implementadas no âmbito do Estado que assumiu a feição de não interventor, como nos dizeres de Vieira(2009): “Estado mínimo”.
Assim integra o posicionamento de Vieira (2009), que:

Em primeiro lugar teria surgido os direitos civis, de não sermos molestados pelo Estado,direito de termos nossa integridade, nossa propriedade, além de nossa liberdade, a salvo das investidas arbitrárias do Poder Público.Esse grupo de direitos demarcaria os limites de ação do Estado Liberal.(Vieira,2009,p.39).

A existência das idéias abstratas que moldavam o paradigma do Estado liberal de direito, principalmente, o exercício das liberdades e igualdades formais, assim como, a propriedade privada, resultou na fundamentação de  idéias e práticas sociais no período que ficou caracterizado na história como de maior exploração do homem pelo homem, como apresenta Netto(1999).
Cattoni(2002) considera que se de um lado o homem alcançou o ideal de liberdade diante do Estado, principalmente com a implementação de um documento formal que lhe garantia formalmente uma gama de direitos (de 1a geração), por outro, essa garantia reduzia-se ao campo puramente formal, pois, no paradigma constitucional do Estado liberal de direito, a condição humana obteve mudanças significativas em relação à noção pré-moderna, considerando que a alteração aconteceu somente no âmbito do senhor trazendo pouco alteração  a condição do escravo.
Verdú (1992), aduz que a ordem liberal perde sua posição com o aparecimento de idéias socialistas, comunistas e anarquistas, que a um só tempo, “animam os movimentos coletivos de massa cada vez mais significativos e neles reforça com a luta pelos direitos coletivos e sociais”.
A crise do Estado Liberal, inicia-se nos dizeres Netto(1999) com a ampliação do movimento democrático e o nascimento de um capitalismo monopolista,o avanço das questões sociais e políticas, e também a Primeira Guerra Mundial.
Acrescenta Netto(1999) que tais fatos possibilitaram  o surgimento de uma nova fase do constitucionalismo, sendo este social, fundamentado na Constituição de Weimar. Assim dá-se início ao paradigma do Estado social de direito.
Tal paradigma de Estado moldado pelos direitos agora chamados direitos sociais, constituem como considera Moraes (2009) os chamados direitos fundamentais de segunda geração.
Os direitos de segunda geração, conforme os ensinamentos de Bonavides(2002):

São os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou da coletividade , introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado Social, depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal deste século.Nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e os estimula.(Bonavides,2002,p.518)

      Conforme Humenhuk (2009):

Os direitos de segunda geração estão atrelados a direitos prestacionais sociais do Estado perante o indivíduo, bem como assistência social, educação, saúde, cultura, trabalho. Pressuposto a isto, passam estes direitos a exercer uma liberdade social, formulando uma ligação das liberdades formais abstratas para as liberdades materiais concretas.
Então, na esfera dos direitos fundamentais da segunda geração, esta marca uma nova fase dos direitos fundamentais, não só pelo fato de estes direitos terem o escopo positivo, mas também de exercerem uma função prestacional Estatal para com o indivíduo. Humenhuk (2009).

Assim o direito à saúde passa a ser integrante da nova versão constitucionalista, sendo visto como um direito prestacional social, assumindo o Estado a função de principal provedor e concretizador de tal direito para com o indivíduo.
Com o final da Segunda Guerra Mundial, o paradigma do Estado social começa a ser questionado em razão de suas crises de legitimação, como afirma Habermas (1994).
Posiciona-se Barcellos (2009) ,no sentido de que neste modelo de Estado onde o próprio chama para si a obrigação de suprir todas as necessidades do indivíduo ele não consegue,no que se refere por exemplo à saúde , concorrer com os particulares,sendo este um dos diversos motivos para os questionamentos levantados em torno da legitimidade de tal modelo de Estado.
Inicia-se a necessidade de uma posição democrática e participativa do cidadão, desta forma como justifica Habermas :

[...] as tentativas de superar a oposição existente entre Estado social e o direito formal burguês criaram uma nova compreensão do modelo constitucional de estado, na qual, todos os atores envolvidos ou afetados têm que imaginar como o conteúdo normativo do novo arquétipo “pode ser explorado efetivamente no horizonte de tendências e estruturas sociais dadas.

Tem-se então a assunção do paradigma do Estado democrático de direito: “Com o novo paradigma, são consagrados os direitos de 3a geração (direitos ou interesses difusos), e os de 1a e 2a outrora consagrados nos paradigmas anteriores passam por um processo de releitura de adequação ao novo modelo.” (Maulaz,2009,p.11).
    Moraes(2009), apresenta a conclusão de Ferreira Filho: “[...] a primeira geração seria a dos direitos de liberdade, a segunda,dos direitos de igualdade, a terceira, assim complementaria o lema da Revolução Francesa:liberdade,igualdade e fraternidade.”
Consoante aos ensinamentos de Bonavides(2002),pode-se afirmar que os direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira gerações, foram os provedores de uma nova concepção da universalidade dos direitos fundamentais,desta forma :

A nova universalidade dos direitos fundamentais os coloca assim, desde o princípio, num grau mais alto de juridicidade, concretude, positividade e eficácia. É universalidade que não exclui os direitos da liberdade, mas primeiro os fortalece com as expectativas e os pressupostos de melhor concretizá-los mediante a efetiva adoção dos direitos da igualdade e da fraternidade.(Bonavides,2002,p.526).

Todos os aspectos históricos que seguem os direitos fundamentais tem a função de alicerce para a caracterização de tais direitos pelo ordenamento jurídico atual, assim como pelas posições doutrinárias muitas delas divergentes que argúem a posição de supremacia ocupada por tais direitos dentro da ordem Constitucional de diversos países, dentre eles o Brasil, assim confirma-se a hipótese de que o significado semântico da expressão:  “direitos fundamentais” não está muito distante do significado que a doutrina atribui a tal expressão.
A constitucionalização dos direitos fundamentais no Brasil, recebe a influência de todos os fatores históricos até então apresentados, visto que os direitos fundamentais estão presentes em qualquer Constituição, de forma é claro a respeitar toda a ordem jurídico-constitucional que pode se apresentar de forma distinta de acordo com o Estado ou País, no qual esteja vigorando. 


3 Positivação Dos direitos fundamentais na esfera constitucional brasileira



A recepção dos direitos fundamentais pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro ocorreu de forma paralela ao reconhecimento destes por outras tantas demais Constituições, servindo como fundamento histórico todas as cartas e declarações apresentadas até então.
Como afirma Moraes (2009): “Os direitos fundamentais colocam-se como elementos imprescindíveis para todas as Constituições, em três aspectos: consagrar o respeito à dignidade humana; garantir a limitação de poder; e visar o pleno desenvolvimento da personalidade humana”.
Antes de prosseguir a abordagem à positivação dos direitos fundamentais, importante se faz apresentar o conceito de Constituição trazido por Moraes(2009):

Constituição,lato sensu, é o ato de constituir, de estabelecer,de firmar;ou ainda, o modo pelo qual se constitui uma coisa,um ser vivo,um grupo de pessoas;organização,formação.Juridicamente,porém,Constituição deve ser entendida como a lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes à estruturação do Estado,à formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar,distribuição de competências,direitos,garantias e deveres dos cidadãos.Além disso,é a Constituição que individualiza os órgãos competentes para a edição de normas jurídicas, legislativas ou administrativas.(Moraes,2009,p.6)

        
No Brasil, de acordo com os ensinamentos de Ferreira Filho(2000),  todas as Constituições brasileiras enunciavam declarações de direitos sendo, inclusive, em 1824, a primeira Constituição do mundo a positivar os direitos fundamentais.
A necessidade da integração de direitos fundamentais pelo constitucionalismo brasileiro deveu-se as desigualdades de direitos existentes no país, as quais ocasionavam desrespeitos dos mesmos, através de perseguições políticas e ideológicas, torturas etc , como bem descreve Sampaio(2004).
A Constituição do Império, de 1824, conforme os ensinamentos de Silva (2000), trazia a rubrica de “Declaração de Direitos”, contendo dois títulos com denominações confusas, a saber: “Das Disposições Gerais”, e das “Garantias dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros”.
Como ainda acrescenta Noleto(2008):

O art. 179 da Constituição de 1824 enumerava os direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros. Neste domínio, para além de outros, destacam-se: A proibição de leis com efeitos retroactivos (inciso III);A liberdade de expressão (inciso IV);A liberdade de culto (inciso V);A obrigação de comunicação, a detidos preventivamente, do motivo da detenção,nome do denunciante e testemunhas (inciso VIII);O principio da igualdade (inciso XIII);A abolição do uso de açoites, tortura, marca de ferro quente e todas as mais penas cruéis;O direito de petição (inciso XXX);A proibição da suspensão da Constituição, no que diz respeito aos direitos individuais (incisos XXXIV e XXXV).(Noleto,2008).

Rêgo (2009), considera que a Constituição de 1824, seguiu os passos da  a aludida Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,pois, a Constituição imperial brasileira afirmou que a inviolabilidade dos direitos civis e políticos tinha por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade (art.179). Omitiu, contudo o quarto direito natural e imprescritível, proclamado, ao lado desses três, pelo artigo segundo da Declaração francesa: o direito de resistência à opressão.
Ao assumir o poder, os republicanos, civis e militares, transformaram o regime Imperial em regime Republicano, consoante aos ensinamentos de Silva (2008):

Proclamado a República em 15 de Novembro de 1889, o Governo Provisório, por meio de Decreto no 510, de 22 de Junho de 1890, convocou eleições para a formação do Congresso Nacional e deu publicidade a projeto de texto constitucional elaborado por uma comissão composta por cinco lideranças do movimento republicano: Saldanha Marinho, Rangel Pestana, Antônio Luiz dos Santos Weeneck, Américo Brasiliense de Almeida Mello e José Antônio Pedreira de Magalhães Castro - e revisado por Rui Barbosa, Ministro da Fazenda Coube ao Congresso apreciar e votar o texto definitivo da Constituição da república dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 24 de Fevereiro de 1891.(Silva,2008,p.28).
 
Na posição de Noleto(2008), a Constituição de 1891,enunciava no título “Declaração de Direitos”,somente os direitos e garantias individuais,em enumeração não taxativa.Como ainda acrescenta Pinto Ferreira(2006): “[...] a Constituição de 1891 foi moldada segundo o estilo da Constituição norte-americana, com as idéias diretoras do presidencialismo, do federalismo, da triparticipação do poder , do liberalismo político, e da democracia burguesa.”
Silva (2009), aponta  que :

O sistema constitucional implantado enfraquecera o poder central e reacendera os poderes regionais e locais, adormecidos sob o guante do mecanismo unitário e centralizador do Império, a emergência do federalismo, não só como derivação da estrutura formal de organização do Estado, mas muito mais como resultante de um quadro real de relações políticas, econômicas e sociais caracterizadas pela prevalência dos interesses do poder oligárquico, fenômeno conhecido como coronelismo. (Silva,2007,p.74)

Tal Constituição foi em demasia importante para a evolução dos direitos fundamentais, pois como afirma Rêgo (2005), a primeira Constituição Republicana ampliou os Direitos Humanos:


[...] além de manter as franquias já reconhecidas no Império: separou-se a Igreja do Estado e estabeleceu-se a plena liberdade religiosa; consagrou-se a liberdade de associação sem armas; assegurou-se aos acusados a mais ampla defesa; aboliram-se as penas de galés, banimento judicial e morte; criou-se o habeas corpus com a amplitude de remediar qualquer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder (depois restringe-se o uso deste remédio processual a casos relacionados à liberdade de locomoção); instituíram-se as garantias da magistratura (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos) mas, expressamente, só em favor dos juizes federais.

Posterior a Constituição de 1891, a Constituição de 1934, dispõe não só os direitos e garantias individuais, mas também os direitos de nacionalidade e os políticos, como afirma Rêgo(2009).
Campos (1990), considera que o texto constitucional de 1934 deriva do processo de transformações vivido pelo país, que tem como marco a revolução de 30,cuja causa imediata foi o processo eleitoral para a escolha do sucessor do presidente Wahington Luiz,que deu vitória para Júlio Prestes e ainda afirma o autor:

[...]  o movimento revolucionário decorreu, em instância mais ampla, da corrosão do sistema político vigente na primeira República com a explicitação de conflitos econômicos, sociais e políticos. Subindo Getúlio Vargas ao poder, como líder civil da Revolução, inclina-se para a questão social. (Campos ,1990,p.36 )


O novo texto segue o modelo  da Constituição alemã de Weimar, “catalogando-se o nosso regime’’, na concepção de Ferreira(1996) , não mais como uma democracia liberal, e sim como uma democracia social, com a poderosa aplicação do campo do governo no campo econômico e considera : “[...] as grandes bases da democracia social foram instituídas, guardando-se, em certas variantes, no mais, o modelo constitucional de 1891”.
A partir de 1934, constata-se uma maior inserção dos direitos sociais (direitos de 2a geração) nas Constituições brasileiras. Eles exigem do Estado uma maior participação para que possam ser implementados, ou seja, há a necessidade de uma atuação Estatal positiva.
Bonavides e Andrade (2009)  discorrem considerando que esta Constituição guiava o pensamento da sociedade e a ação do Governo para um programa de leis cujo valor maior incidia no bem comum:

Instituiu a Justiça Eleitoral (art. 82 e seguintes) e o voto secreto (art.52,1o), abrindo os horizontes do constitucionalismo brasileiro para os direitos econômicos, sociais e culturais (art.115 e seguintes, art. 148 e seguintes).
A Constituição de 1934, inovando no Direito Brasileiro, estatuiu normas de proteção ao trabalhador. Pode-se citar alguns dos princípios aceitos: salário mínimo capaz de satisfazer às necessidades normais do trabalhador; repouso semanal e férias anuais remuneradas; proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil; criação da Justiça do Trabalho, vinculada ao Poder Executivo.
Esta Constituição também cuidou dos direitos culturais, aceitando os seguintes princípios, dentre outros: direito de todos à educação, obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário, inclusive para os adultos, e tendência à gratuidade do ensino ulterior ao primário. (Bonavides e Andrade, 2009, p.26)

Em síntese, como apresenta Almeida (2005), a Constituição de 1934, nas disposições trazidas por seu texto teve uma saliente importância para a evocação de muitos direitos, assumindo o importante papel de receptora da igualdade perante a lei, além de consagrar o direito ao voto das mulheres:   

 A Constituição de 1934, entre outras coisas: explicitou o princípio da igualdade perante a lei, estatuindo que não haveria privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissão própria ou dos país, riqueza, classe social, crença religiosa ou idéias políticas; manteve o habeas-corpus, para proteção da liberdade pessoal, e instituiu o mandado da segurança, para defesa do direito, certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade; vedou a pena de caráter perpétuo; proibiu a prisão por dívidas, multas ou custas; criou a assistência judiciária para os necessitados. Nesta Constituição, as mulheres foram brindadas com uma grande e merecida conquista: o direito ao voto.(Almeida,2005)

Posteriormente ao assumir a presidência da república em 1934, eleito  pela Assembléia Constituinte,Getúlio Vargas,como descreve Silva(2003): “ [...]impôs em 1937, por meio de golpe de Estado, uma ordem ditatorial, denominada Estado Novo, dissolvendo o Congresso Nacional, revogando a Constituição e promulgando em substituição, uma nova Carta Constitucional”.A nova carta constitucional promulgada em 10 de novembro de 1937,dispunha em seu preâmbulo o seguinte texto:

ATENDENDO às legitimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem, resultantes da crescente a gravação dos dissídios partidários, que, uma, notória propaganda demagógica procura desnaturar em luta de classes, e da extremação, de conflitos ideológicos, tendentes, pelo seu desenvolvimento natural, resolver-se em termos de violência, colocando a Nação sob a funesta iminência da guerra civil; ATENDENDO ao estado de apreensão criado no País pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios, de caráter radical e permanente; ATENDENDO a que, sob as instituições anteriores, não dispunha, o Estado de meios normais de preservação e de defesa da paz, da segurança e do bem-estar do povo; Sem o apoio das forças armadas e cedendo às inspirações da opinião nacional, umas e outras justificadamente apreensivas diante dos perigos que ameaçam a nossa unidade e da rapidez com que se vem processando a decomposição das nossas instituições civis e políticas; Resolve assegurar à Nação a sua unidade, o respeito à sua honra e à sua independência, e ao povo brasileiro, sob um regime de paz política e social, as condições necessárias à sua segurança, ao seu bem-estar e à sua prosperidade, decretando a seguinte Constituição, que se cumprirá desde hoje em todo o Pais[...]. (Constituição Federal de 1937).

A Constituição de 1934,como afirma Almeida (2005), teve uma  breve duração, já que em 1937 foi sucedida pela Carta Ditatorial de 1937,consolidando-se neste momento histórico um amplo desrespeito aos direitos fundamentais, em especial os concernentes às relações políticas. Mas, as Constituições de 1946 e de 1967 voltam a consagrar os direitos e garantias individuais, bem como de nacionalidade e políticos.
Nos apontamentos de Rêgo(2009), a Constituição de 1967, apesar de alguns retrocessos, no que diz respeitos aos direitos fundamentais, aqui considerados como direitos  sociais foram inovados alguns pontos:

Houve algumas inovações contrárias ao trabalhador, tais como: a redução para 12 anos da idade mínima de permissão do trabalho; a supressão da estabilidade, como garantia constitucional, e o estabelecimento do regime de fundo de garantia, como alternativa; as restrições ao direito de greve; a supressão da proibição de diferença de salários, por motivo de idade e nacionalidade, a que se refira a Constituição anterior.(Rêgo,2009)


Mesmo com a inovação dos referidos pontos, Rêgo (2005) considera que  a Constituição de 1967 não se harmonizou com a doutrina dos Direitos Fundamentais, pelas seguintes razões: restringiu a liberdade de opinião e expressão; deixou o direito de reunião descoberto de garantias plenas; fez recuo no campo dos direitos sociais; manteve as punições, exclusões e marginalizações políticas decretadas sob a égide dos Atos Institucionais.
A próxima Constituição a ser promulgada seria então a Constituição de 1988, que declara em seu preâmbulo:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Elaborada sobre a assunção do paradigma do Estado Democrático de Direito, que apresentava o equilíbrio entre o papel do Estado considerado Mínimo e Estado Paternalista, sendo respectivamente os paradigmas do Estado Liberal e do Estado Social, a Constituição de 1988 representa até os dias atuais uma grande conquista no cenário da constitucionalização dos direitos fundamentais. Posto que como delibera Barroso (2009): Sob a Constituição de 1988, o direito constitucional no Brasil passou da desimportância ao apogeu em menos de uma geração.      
Como apresenta Sarlet (2009):  “Traçando-se  um paralelo entre a Constituição de 1988 e o direito constitucional positivo anterior, constata-se, já numa primeira leitura, e existência de algumas inovações de  significativa importância na seara dos direitos fundamentais”. O autor afirma que :

[...] pela primeira vez na história do constitucionalismo pátrio, a matéria foi tratada com merecida relevância. Além disso, inédita a outorga aos direitos fundamentais, pelo direito constitucional positivo vigente, do status jurídico que lhes é devido e que não obteve o merecido reconhecimento ao longo da evolução constitucional. (Sarlet,2009,p.63).

Importante lembrar que quando se fala em positivação dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico constitucional, não se remete a uma dimensão do positivismo em seu caráter de interpretação do sentido literal da norma, até mesmo porque o presente estudo trabalha a refutação de todas as concepções estritamente positivistas, defendidas por diversos doutrinadores que se dedicam aos estudos do direito constitucional brasileiro.
E é exatamente a concepção  pós-positivista, dotada de considerações eficientes para e efetivação dos direitos fundamentais, em especial o Direito Fundamental à Saúde, que será individualmente tratado, que servirá como ponto referencial para se prosseguir a fundamentação constitucional de todos os aspectos em torno de sua consideração como um direito fundamental dotado de todas as garantias  e características dos demais direitos fundamentais dispostos pela Constituição Federal de 1988. 
Para se caracterizar os direitos fundamentais cabe considerar a subdivisão destes trazida pela Constituição de 1988, já que tal subdivisão fica fundamentalmente ligada a suas fases históricas de apresentação.


4 Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1988

4.1 A classificação da Constituição de 1988 



Sabe-se que as Constituições nascem paralelas aos regimes políticos de cada país, estado ou nação, desta forma tanto as classificações das Constituições quanto seu conteúdo  sofrem variações.
Como afirma Silva (2009):

[...] Assim  diferentes nações adotam diferentes cartas de direitos fundamentais. Em algumas constituições temos a ampla proteção do direito à propriedade e à liberdade, o que nos permite configura-las como sistemas mais liberais.em outra abundam direitos voltados a atender as necessidades materiais básicas da pessoa humana, inerentes a regimes mais  sociais ou  solidários.Há sistemas políticos, por sua vez, em que o regime de direitos privilegia a igualdade de participação e os processos de decisão coletiva,conferindo à maioria a responsabilidade de tomar as decisões fundamentais da sociedade.(Silva,2009).
 
Como ainda acrescenta Silva(2009), a Constituição Brasileira, como já mencionado, estabelece certo sincretismo entre essas diversas concepções de direitos.
Ademais se fazem pertinentes  os apontamentos trazidos por Moraes (2009): “Nossa atual Constituição Federal apresenta a seguinte classificação: formal, escrita, legal, dogmática, promulgada (democrática e popular ), rígida, analítica.”.
A classificação de uma Constituição como sendo formal está ligada ao seu conteúdo, deste modo a Constituição formal, como apresenta Moraes (2009): “ [...] é aquela consubstanciada de  forma escrita, por meio de um documento solene estabelecido pelo poder constituinte originário.”.
Quanto  à forma, conforme os ensinamentos de Barroso (2009): “tal classificação diz respeito à forma de veiculação das normas constitucionais.” Sendo assim o autor classifica como Constituição escrita: “[...] quando sistematizadas em um texto único[...]”.        
Moraes(2009) complementa com o seguinte posicionamento:

“Constituição escrita é o conjunto de regras codificado e sistematizado em um único documento, para fixar-se a organização fundamental. Canotilho denomina-a de Constituição instrumental, apontando seu efeito racionalizador, estabilizante, de segurança jurídica e de calculabilidade e publicidade. A Constituição escrita, portanto, é o mais alto estatuto jurídico de determinada comunidade, caracterizando-se por ser a lei fundamental de uma sociedade. A isso corresponde o conceito de Constituição legal, como resultado da elaboração de uma carta escrita fundamental, colocada no ápice da pirâmide normativa e dotada de coercibilidade.”Moraes, 2009, p.8). 

Já a classificação dada a Constituição de 1988, quanto à sua origem como sendo promulgada, também denominada democrática ou popular, Moraes(2009) aduz que: “São promulgadas também denominadas democráticas ou populares, as Constituições que derivam do trabalho de uma Assembléia Nacional Constituinte composta de representantes do povo, eleitos com a finalidade de sua elaboração [...]”.     
Faz-se necessária a definição da classificação da Constituição de 1988, para que possa ser compreendido o grau de supremacia de seu conteúdo, assim considerado após a assunção da concepção do direito constitucional contemporâneo,  que servirá não só como um documento portador de direitos exigíveis, ou de normas orientadoras e definidoras do exercício do poder público em geral, mas como um documento justificador de todas as demais normas do ordenamento jurídico brasileiro.


4.2  Os Direitos Fundamentais Reconhecidos pela Constituição de 1988



Em dias atuais, não é possível  se negar que os Direitos Fundamentais se apresentam em toda a esfera da vida humana. Partindo desde a garantia do exercício dos direitos políticos, assegurando um tratamento igualitário pelo Estado, passando pela garantia mínima das necessidades existenciais e protegendo as liberdades de pensamento, de expressão, de ir e vir, de crença, dentre outras, todas essas situações relacionam-se intrinsecamente a um ou mais direito fundamental.
Como reforça Silva (2009):
A Constituição de 1988 de certa forma busca reconhecer e acomodar essas diversas categorias de direitos (civis, políticos, econômicos e sociais, culturais e de grupos vulneráveis), por intermédio do que chamei, em outro lugar, de compromisso maximizador. Se, por um lado,esses direitos se fortalecem mutuamente – pois não podemos ter democracia sem liberdades, e estas serão inúteis sem que as pessoas tenham por satisfeitas suas condições materiais básicas -, por outro lado,a implementação é uma gama tão extensa de direitos que cria necessariamanete um campo de tensão entre eles. (Silva, 2009, p.40 )


Esta posição assumida pelos direitos fundamentais, entretanto, coloca-se apenas no âmbito e ao tempo da vigência do Estado Democrático de Direito, em que os Direitos Fundamentais se encontram, em sentido amplo, presentes na Constituição Federal de 1988  e em posição hierarquicamente superior, o que lhes confere eficácia e aplicabilidade plena. Como considera Barcelos(2006):

Ao tempo do Estado de Direito liberal, ainda que presentes Direitos Fundamentais nas Constituições, eles formam apenas enunciados programáticos, não constituindo senão diretrizes ao legislador ordinário. O que possuía eficácia era a lei que poderia, inclusive, violar Direitos Fundamentais. (Barcelos,2006)

         Por sua vez, a Declaração contida na Constituição Brasileira de 1988 é a mais abrangente de todas as anteriores e, além de consagrar os "direitos e deveres individuais e coletivos", a Declaração de 1988 abre um capítulo para definir os direitos sociais.
            Assim, a exemplo das anteriores, a Constituição da República Federativa do Brasil não pretende enumerar os direitos fundamentais; pois, além dos direitos explicitamente reconhecidos admite existirem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados.
A Constituição Federal de 1988 trouxe em seu Titulo II os Direitos e garantias fundamentais, subdividindo-os em cinco capítulos: Direitos e Deveres individuais e coletivos, direitos sociais, direitos de nacionalidade, direitos políticos e direitos relacionados à existência, organização e participação em partidos políticos.
As normas constitucionais de uma forma em geral, incluindo os direitos fundamentais a partir da promulgação da Constituição de 1988 passaram a ser portadores de diferenciadas características que anteriormente não eram a eles atribuídas.
Barroso (2009) afirma que há um conjunto de elementos e de fatores que dão a elas singularidade dignas de registro aos direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição de 1988, dentre os quais se podem assinalar: a)sua posição no sistema ;b)a natureza da linguagem que utilizam ;c) seu conteúdo específico; e d) sua dimensão política.

O constitucionalismo contemporâneo, como bem contempla Barroso (2009), se manifesta em torno da consideração de que as normas constitucionais desfrutam de superioridade jurídica em relação a todas as demais normas, por esta razão: “ [...] nenhuma lei, nenhum ato normativo, a rigor, nenhum ato jurídico, pode subsistir validamente se for incompatível com a Constituição.”.    
Os direitos fundamentais ora desta forma considerados possuem peculariedades que não se fundem com outros direitos.
O direito a saúde, visto como um direito de segunda geração é um exemplo clássico de um direito fundamental que recebe seus contornos devidos apenas após a promulgação da Constituição de 1988, que se define como o documento Constitucional que traz em seu texto não apenas o reconhecimento de direitos do indivíduo frente ao Estado, mas também outorga a tais direitos uma posição de  exibilidade frente a sua não concretização.      

5 O DIREITO À SAÚDE NO BRASIL


5.1 Aspectos Históricos



O direito à saúde no Brasil passa a ser  reconhecido como  um direito fundamental e de forma relevante somente a partir da promulgação da Constituição de 1988.
Anterior a promulgação da carta constitucional de 1988, a saúde era portadora de outras formas de acesso senão a prestação por parte do Estado, como se pode constar em breve abordagem histórica do tema.
O web-site: “guia de direitos” elaborados pelo Estado de São Paulo, com o objetivo de: “reunir e centralizar informações que promovam, garantam e fortaleçam os direitos da população”, traz a seguinte informação:

O Direito à saúde é parte de um conjunto de direitos chamados de direitos sociais, que têm como inspiração o valor da igualdade entre as pessoas. No Brasil este direito apenas foi reconhecido na Constituição Federal de 1988, antes disso o Estado apenas oferecia atendimento à saúde para trabalhadores com carteira assinada e suas famílias, as outras pessoas tinham acesso à estes serviços como um favor e não como um direito. Durante a Constituinte de 1988 as responsabilidades do Estado são repensadas e promover a saúde de todos passa a ser seu dever:   A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação Constituição Federal de 1988, artigo 196.

Mas este status adquirido pelo direito à saúde, passa por diversas fases até chegar a ser considerado como um direito social fundamental, por esta razão a abordagem histórica de tal direito faz-se necessária para que se possa de forma fundamentada justificar  a posição constitucional  assumida por tal direito.
Para melhor se adaptar a compreensão de todas as fases históricas do direito à saúde, como nos dizeres Reissinger(2008): “[...] faz-se necessário distinguir os modelos ou concepções deste sistema.”.
Reissinger(2008) apresenta tais modelos dando as seguintes denominações: Assistencialismo, Previdencialismo e Universalista. Faz-se claro que assim como todos os outros direitos tidos como  direitos fundamentais, o direito à saúde também estará inteiramente relacionado aos paradigmas de Estado, pois em cada um destes modelos os anseios sociais vão gradativamente exigindo a incorporação de direitos no rol dos direitos fundamentais, que tenham a condição de serem plenamente exigíveis, requerendo prestações positivas por parte do Estado, dentre estes direitos está o direito à saúde.  
Fazer uma abordagem histórica do direito à saúde, torna-se uma tarefa sintética, se  for abordada  a saúde a partir do momento no qual ela passa a ser reconhecida como um direito, pois este reconhecimento não data de um tempo tão remoto.
Como apresenta Indriunas(2007):

No início, não havia nada. A saúde no Brasil praticamente inexistiu nos tempos de colônia. O modelo exploratório nem pensava nessas coisas. O pajé, com suas ervas e cantos, e os boticários, que viajavam pelo Brasil Colônia, eram as únicas formas de assistência à saúde. Para se ter uma idéia, em 1789, havia no Rio de Janeiro, apenas quatro médicos.Com a chegada da família real portuguesa em 1808, as necessidades da corte forçaram a criação as duas primeiras escolas de medicina do país: o Colégio Médico-Cirúrgico no Real Hospital Militar da Cidade de Salvador e a Escola de Cirurgia do Rio de Janeiro. E foram essas as únicas medidas governamentais até a República. (Indriunas, 2007)

As Doenças endêmicas apareceram com grande intensidade no período da colonização do Brasil, a partir do  ano de 1500[†], devido a grande diversidade de povos que vieram habitar as terras brasileiras.
Como narra Polignano(2009): “Um país colonizado, basicamente por degredados e aventureiros desde o descobrimento até a instalação do império, não dispunha de nenhum modelo de atenção à saúde da população e nem mesmo o interesse, por parte do governo colonizador (Portugal), em criá-lo”. 
Constata-se que o interesse principal  ficava restrito ao estabelecimento de um controle sanitário mínimo da capital do império, fato que perdurou por quase um século.
Mais de quatrocentos anos depois da colonização do país, foi tomada a  primeira medida sanitarista no país, realizada no governo de Rodrigues Alves, que se iniciou no ano  de 1902, como aduz Indriunas (2007):

O Rio de Janeiro não tinha nenhum saneamento básico e, assim, várias doenças graves como varíola, malária, febre amarela e até a peste espalhavam-se facilmente. O presidente então nomeou o médico Oswaldo Cruz para dar um jeito no problema. Numa ação policialesca, o sanitarista convocou 1.500 pessoas para ações que invadiam as casas, queimavam roupas e colchões. Sem nenhum tipo de ação educativa, a população foi ficando cada vez mais indignada. E o auge do conflito foi a instituição de uma vacinação anti-varíola. A população saiu às ruas e iniciou a Revolta da Vacina. Oswaldo Cruz acabou afastado. (Indriunas, 2007).


Esta medida sanitarista criou o modelo de intervenção realizada pelo governo, que ficou conhecido como Campanhista, como aduz Polignano (2009), e foi nascida  dentro de uma consideração do regime  militar em que os fins justificam os meios, e no qual o uso da força e da autoridade eram considerados os instrumentos preferenciais de ação.
A erradicação da febre amarela da cidade do Rio de Janeiro foi considerada como uma vitória do modelo Campanhista, pois culminou  por  fortalecer tal modelo.
Paralela a este modelo de intervenção do Estado (Campanhista), dá-se início a primeira concepção do sistema de saúde, denominada assistencialista, com relação a ela aponta Almeida Filho (1998):

[...] foi  caracterizada pela a política de saúde até meados do século XIX. A sua tónica era basicamente a de voltar a atenção à saúde para as populações mais empobrecidas e carenciadas. Desenvolveu-se institucionalmente em organizações leigas ou religiosas que se destinavam a fins múltiplos, tais como distribuição de alimentos, educação e protecção a crianças carentes, entre outras. São exemplos destas instituições aquelas que funcionavam sob a égide das "poor laws" ou ainda as "work-houses" na Inglaterra. Nas palavras de Foucault, na figura do pobre necessitado que merece hospitalização, a doença era apenas um dos elementos num conjunto que compreendia a enfermidade, a idade, a impossibilidade de encontrar trabalho, a ausência de cuidados. (Almeida filho,1998).


Conforme os apontamentos trazidos por Almeida filho(2002), o acesso à saúde ficava a cargo de entidades religiosas ou organizações leigas não tendo estas quaisquer vínculos estatais. Podem-se ver atualmente vestígios de tais entidades religiosas que prestavam serviços de saúde, pois, ainda se tem as conhecidas Santas Casas, que de acordo com Mendes (2001) prestam o serviço de cobertura assistencial à população quando as possibilidades públicas  são insuficientes para tal cobertura.
O ministro da saúde José Gomes Temporão considera que: “Ainda não havia neste período uma previsão constitucional que demandasse qualquer intervenção do Estado, até mesmo porque as normas constitucionais deste período exerciam um caráter procedimental, atuavam como se fossem “um guia de bons modos”. (Informação Verbal)[‡].
Devido ao fato da agricultura ser a atividade que impulsionava a economia da época, de forma gradativa o controle das epidemias nas grandes cidades deslocou  a sua ação para o campo e para o combate das chamadas endemias rurais. Sendo posteriormente incorporada a Fundação Nacional de Saúde, a Sucam utilizou amplamente este modelo no combate de diversas endemias, como bem leciona Albuquerque( 1981).
Como narra  Indriunas (2007):

A saúde passou por um longo período de estagnação, somente com a chegada dos imigrantes europeus, que formaram a primeira massa de operários do Brasil, começou-se a discutir, obviamente com fortes formas de pressão como greves e manifestações, um modelo de assistência médica para a população pobre. (Indriunas,2007).


Sendo uma economia latentemente  Agroexportadora, como relata Menezes (1974), a economia brasileira era centrada na monocultura do café, gerando uma acumulação capitalista advinda do comércio exterior a qual tornou possível o processo e industrialização no país, que teve como resultado a busca da mão de obra de imigrantes, especialmente europeus (italianos, portugueses), isto porque os mesmos já possuíam grande experiência neste setor, que já era muito desenvolvido na Europa:

Os operários na época não tinham quaisquer garantias trabalhistas, tais como:  férias, jornada de trabalho definida, pensão ou aposentadoria. Os  imigrantes, especialmente os italianos( anarquistas), traziam consigo a história do movimento operário na Europa e dos direitos trabalhistas que já tinham sido conquistados pelos trabalhadores europeus, e desta forma procuraram mobilizar e organizar a classe operária no Brasil na luta pela conquistas dos seus direitos.
Em função das  péssimas condições de trabalho existentes e da falta de garantias de direitos trabalhistas, o movimento operário organizou e realizou duas greves gerais no país, uma em  1917 e outra em 1919. Através destes movimentos os operários começaram a conquistar  alguns direitos sociais. (Menezes,1974).

Logo após em 1923, surge a lei Elói Chaves, a qual foi  marco inicial da previdência social no Brasil. Através desta lei foram  instituídas as Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAP’s):

[...]criando as Caixas de Aposentadoria e Pensão. Essas instituições eram mantidas pelas empresas que passaram a oferecer esses serviços aos seus funcionários. A União não participava das caixas. A primeira delas foi a dos ferroviários. Elas tinham entre suas atribuições, além da assistência médica ao funcionário e a família, concessão de preços especiais para os medicamentos, aposentadorias e pensões para os herdeiros. Detalhe, essas caixas só valiam para os funcionários urbanos. (Brasil,2005,p.3).


Da-se início a  segunda fase, a denominada Previdencialista, como expõe Almeida Filho (1998):
[...] inicia-se com a formação de organizações mutualistas no seio de profissionais artesãos, tendo em vista cobrir, sob a forma de seguro, aspectos ligados à saúde e à previdência para grupos de trabalhadores que se organizavam e auto-financiavam, mediante cotização, destes programas. Este modelo foi repetido nas empresas (com participação de trabalhadores e patrões no financiamento) e posteriormente generalizado para qualquer trabalhador formal (como na Alemanha recém unificada por Bismark), com a participação adicional do Estado no financiamento. (Almeida Filho, 1998).

Nas considerações de Reissinger (2008), vigorou, como principal sistema nos países desenvolvidos, na primeira metade do século XX até a Primeira Guerra. Nos países em desenvolvimento, como o Brasil e Argentina, esse modelo vigorou hegemônico entre as décadas de 70 e 80.
Nesta fase, somente os trabalhadores formais e urbanos tinham o acesso à saúde, sendo assim a disponibilidade das prestações de saúde estavam dependentes do pagamento contribuições.
Como relatado pela  história da previdência, a partir da Revolução de 1930, quando Getúlio Vargas toma o poder,é  criado o Ministério da Educação e Saúde e as caixas de aposentadoria são substituídas pelos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs).
Como Leciona Indriunas(2007), o governo de Vargas era um governo sindicalista, assim o acesso à saúde ficava a cargo das instituições sindicais, que o prestavam somente mediante contribuições.
Em 1953, foi criado o Ministério da Saúde, representando o simples  desmembramento do antigo Ministério da Saúde e Educação, fato que não representou uma nova postura do governo e uma efetiva preocupação em atender aos importantes problemas de saúde pública de sua competência, conforme informações do Ministério da Saúde.
O Ministério da Saúde passou por diversas reformas durante estes cinqüenta e seis anos de existência, dentre elas destacam-se:

[...] a reforma de 1974, na qual as Secretarias de Saúde e de Assistência Médica foram englobadas, passando a constituir a Secretaria Nacional de Saúde, para reforçar o conceito de que não existia dicotomia entre Saúde Pública e Assistência Médica. No mesmo ano, a Superintendência de Campanhas de Saúde Pública - SUCAM - passa à subordinação direta do Ministro do Estado, para possibilitar-lhe maior flexibilidade técnica e administrativa, elevando-se a órgão de primeira linha. Foram criadas as Coordenadorias de Saúde, compreendendo cinco regiões: Amazônia, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste, ficando as Delegacias Federais de Saúde compreendidas nessas áreas subordinadas às mesmas. As Delegacias Federais de Saúde deixavam, assim, de integrar órgãos de primeira linha. É criada também, a Coordenadoria de Comunicação Social como órgão de assistência direta e imediata do Ministro de Estado e instituído o Conselho de Prevenção Antitóxico, como órgão colegiado, diretamente subordinado  ao Ministro de Estado. (Brasil, 2009).


O modelo Universalista, em consonância com os ensinamentos de Sarlet(2009), surge a partir da promulgação da Constituição de 1988, que é considerada como aponta Barroso (2003) como uma Constituição inovadora no que diz respeito à saúde:

A Constituição Federal de 1988, conhecida como “Constituição Cidadã”, inova em  vários aspectos a direitos individuais e sociais, trazendo a questão da cidadania a um papel relevante e prioritário, inclusive na sua organização topográfica, com a dignidade humana sendo elevada à fundamento do Estado Democrático de Direito Brasileiro (art. 1º CF 1988), e com os Direitos e Garantias Fundamentais ocupando o início do texto, como uma declaração de princípios do Estado Brasileiro(Barroso, 2003, p.7).  

Barroso(2003) apresenta esta consideração, pois, como ele mesmo afirma o direito à saúde não era garantido pelas Constituições anteriores:

No máximo, cabia ao Estado cuidar da assistência pública e da prestação de assistência médica e hospitalar ao trabalhador filiado ao regime previdenciário. A garantia do direito à saúde ao cidadão, saúde compreendida como algo mais abrangente, como a própria Organização Mundial da Saúde a define, só aparece no texto constitucional de 1988, ou seja quarenta anos após a Declaração Universal dos Direitos Humanos.(Barroso,2003,p.8).


A Constituição de 1988, que declara a saúde como “um direito de todos e dever do Estado” em seu art. 196, declara também em seu art.198 que: “As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único[...]”. 
Posterior à disposição trazida pela Constituição de 1988, tem-se a promulgação da lei 8.080/90, que disporá a respeito do sistema de saúde agora unificado, SUS (Sistema Único de Saúde), que constitui o sistema público estruturado pelo conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais na administração direita e indireta.
A lei 8.080/90  reforça o dispositivo constitucional e dispõe em seu art. 2º: “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”.
 O § 1º do art. 2º da lei 8.080/90 dispõe: 

O dever do Estado de garantir a saúde consiste na reformulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos no estabelecimento de condições que asseguram acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.  (Brasil, 1990).

Os princípios do SUS de acordo com a lei 8.080/90 são: a universalidade de acesso, integralidade da assistência, igualdade da assistência, participação da comunidade, descentralização político-administrativa, regionalização, hierarquização e capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de atenção.
Com relação à direção do SUS, de acordo com Mendes(2001) é única, sendo exercida no âmbito federal, pelo Ministério da Saúde; no âmbito estadual pelas Secretarias  Estaduais da Saúde, e no âmbito municipal, pelas Secretarias Estaduais de Saúde.
A saúde na Constituição é definida como resultante de políticas sociais e econômicas, como direito do cidadão e dever do Estado, mesmo sendo entendido dentro de um modelo universal, o direito a saúde se debate com algumas restrições de acesso.
O modelo universalista corresponde ao sistema de saúde universal que de acordo com Mendes(2001), são aqueles que oferecem a todos, independentemente de sexo, idade, renda ou risco, com financiamento público, o mesmo pacote essencial de serviços, a partir do qual os cidadãos podem recorrer a serviços suplementares providos privadamente. 
Ainda considera Mendes(2001), que a universalização como princípio ético básico, consiste em garantir a todos os cidadãos – independentemente de gênero, etnia, nível de renda, vinculação de trabalho ou nível de risco - os direitos sociais fundamentais, em quantidade e qualidade compatíveis com o grau de desenvolvimento de uma determinada sociedade.
O dever do Estado na garantia do direito à saúde se dará inequivocamente por meio da execução de políticas públicas, que devem ser construídas de forma equânime e eficiente, em torno dos princípios constitucionais que permeiam a atuação da administração pública, desta forma devendo ter essencialmente como objetivo a   supremacia o interesse público.
Atualmente, conforme Mendes(2001), os sistemas e serviços de saúde têm três objetivos: proporcionar um ótimo nível de saúde, distribuído equitativamente; prover um grau adequado de proteção em relação aos riscos de adoecer, para todos, e satisfazer as expectativas de todos os cidadãos.
A saúde conforme Silva (2007) compreende-se em três formas de acesso: o atendimento médico, as internações e procedimentos hospitalares (que se refere ao caráter assistencial ), a distribuição de medicamentos (que se refere ao caráter curativo) e a distribuição e aplicação de vacinas (que se refere ao caráter preventivo).  
Dispõe o art.196, II, que uma das diretrizes do Sistema Único de Saúde é o: “[...] atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízos dos serviços assistenciais”.     
Desta forma, a cobertura vacinal, que compreende a aplicação e distribuição de vacinas, é tida constitucionalmente como prioritária em relação às demais formas de acesso à saúde.
A cobertura vacinal, conforme informações do Ministério da Saúde, é organizada pelo Programa nacional de  Imunizações, podendo ser este programa reconhecido como instrumento de implementação das políticas públicas de atenção à saúde.
A saúde, como considera Silva (2008):

Deve ser entendida em sentido mais amplo, como componente da qualidade de vida. Assim, não é um “bem de troca”, mas um “bem comum”, um bem e um direito social, em que cada um e todos possam ter assegurados o exercício e a prática do direito à saúde, a partir da aplicação e utilização de toda a riqueza disponível, conhecimentos e tecnologia desenvolvidos pela sociedade nesse campo, adequados às suas necessidades, abrangendo promoção e proteção da saúde, prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação de doenças. Em outras palavras, considerar esse bem e esse direito como componente e exercício da cidadania, que é um referencial e um valor básico a ser assimilado pelo poder público para o balizamento e orientação de sua conduta, decisões, estratégias e ações. (Silva,2008).

As políticas públicas como instrumentos efetivadores dos direitos Sociais é o resultado da posição constitucional normativa que o direito à saúde assume como um direito fundamental, devendo funcionar com nos dizeres de Alexy(2008), como “mandatos de otimização, que devem ser realizados na máxima extensão possível”.
Isto significa dizer que o poder público deve se utilizar de todas as possibilidades para efetivar plenamente o direito à saúde.
Posto que o direito à saúde, tido como um direito fundamental, não pode sofrer limitações, quando sua atuação tiver como objetivo a garantia a condições mínimas de existência, ligado assim à proteção do mínimo existencial. 

6 Políticas públicas no Brasil e o  conceito de Estado democrático de direito



Quando se faz referência a atuação do poder público, mediante a concretização dos direitos fundamentais em especial o direito à saúde, vale salientar que a adoção de políticas públicas se torna fato intrinsecamente essencial para tal concretização. Esta consideração se deve ao fato de as políticas públicas serem os meios até então mais propícios para veicular tais direitos dispostos na Constituição até as necessidades sociais para que assim encontrem os meios para serem efetivados. 
Considera Breus(2006), que ao ponderar as políticas  públicas como o mecanismo por excelência de ação estatal, estar-se-á divulgando um discurso jurídico de efetivação das normas constitucionais, em especial dos Direitos Fundamentais sociais:

[...]haja vista que eles terão um meio adequado e abrangente para serem realizados. Isso porque, consoante explicita Maria Paula Dallari Bucci, “adotar a concepção das políticas públicas em direito consiste em aceitar um grau maior de interpenetração entre as esferas jurídica e política ou, em outras palavras, assumir a comunicação que há entre os dois subsistemas, reconhecendo e tornando públicos os processos dessa comunicação na estrutura burocrática do poder, Estado e Administração Pública”. 455 E, consoante explicita a autora, isso ocorre “seja atribuindo-se ao direito critérios de qualificação jurídica das decisões políticas, seja adotando-se no direito uma postura crescentementesubstantiva e, portanto, mais informada por elementos da política.(Breus,2006)

“As políticas públicas podem ser resumidamente consideradas como a gramática” que define as ações do poder público. Conforme a definição dada por Aguiar (2004):

As políticas públicas podem ser definidas como conjuntos de disposições, medidas e procedimentos que traduzem a orientação política do Estado e regulam as atividades governamentais relacionadas às tarefas de interesse público. São também definidas como todas as ações de governo, divididas em atividades diretas de produção de serviços pelo próprio Estado e em atividades de regulação de outros agentes econômicos.
As políticas públicas em saúde integram o campo de ação social do Estado orientado para a melhoria das condições de saúde da população e dos ambientes natural, social e do trabalho. Sua tarefa específica em relação às outras políticas públicas da área social consiste em organizar as funções públicas governamentais para a promoção, proteção e recuperação da saúde dos indivíduos e da coletividade. (Aguiar, 2004)


As políticas públicas, conforme discorre Lopes(1997), existem em gêneros diversos, sendo elas:


As políticas sociais, de prestação de serviços essenciais e públicos (tais como saúde, educação, segurança, justiça, etc); As políticas sociais compensatórias (tais como a previdência e assistência social, seguro desemprego, etc.); As políticas de fomento (créditos, incentivos, preços mínimos, desenvolvimento social, tecnológico, agrícola, etc); As reformas de base (reforma urbana, agrária, etc); Políticas de estabilização monetária, e outra mais específica ou genérica. (Lopes, 1997, p.133).
      

Conforme o posicionamento de Rios (2006), por aliar o exercício da cidadania, as políticas públicas igualmente se apresentam como o instrumento de ação estatal adequado à realidade contemporânea, fundada em um contexto de pluralismo social, em que o Estado se vê frente a inúmeras tarefas e exigências dificilmente conciliáveis entre si, o que exige a participação social.
No que diz respeito à saúde, sendo apresentada em capítulo apartado dos demais direitos sociais previstos pelo art. 6º da Constituição Federal de 1988, a qual foi a primeira Constituição Brasileira a garantir expressamente o direito à saúde, dispõe o art. 196: “A saúde é direitos de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso igualitário às ações para sua promoção, proteção e recuperação.”.
Como afirma Rios (2009): “Dizer que o direito à saúde é um direito fundamental significa dizer, em primeiro lugar, que ele vincula os Poderes Públicos (Legislativo, Executivo e Judiciário) e que ele não pode ser subtraído da Constituição, nem mesmo por emenda constitucional.”.
Esta organização de ações para a promoção da saúde constitucionalmente exigida confere ao poder público a prerrogativa da responsabilidade integral das ações que tenham o intuito de promover o acesso à saúde pública.
Como bem considera Lopes(1997):

Imaginemos o direito à saúde (art.6º e art.196, da Constituição Federal), [...]. Como torna-los eficazes? Não se trata de aplicar uma norma qualquer entre indivíduos que disputam à mesma coisa. Trata-se antes de garantir condições de exercício de direitos sociais e de gozo de bens não submetidos ao regime da propriedade, da disponibilidade do consumo, da mercadoria.(Lopes,1997,p.135).

  Meny & Thoenig (1992), consideram as  políticas públicas como sistemas de ação pública  que tem o seu processo de Constituição composto de cinco fases principais, sendo elas:


Identificação de um problema - ingresso de uma demanda na agenda pública; Formulação de alternativas de solução - momento em que são elaboradas e negociadas as possíveis alternativas de ação para o enfrentamento do problema; Tomada de decisões (formulação da política propriamente dita) - eleição de uma alternativa de solução que se converte em política legítima; Implementação da decisão tomada - execução das ações; Término da ação - avaliação dos resultados da ação, que pode resultar em uma nova política ou em um reajuste. ( Meny & Thoenig,2002).

Este ciclo de formulação de políticas públicas ao qual se refere Meny & Thoenig (1992), pode ser considerado a partir da compreensão de que grande parte da atividade política dos governos se destina à tentativa de satisfazer demandas que lhes são dirigidas pelos atores sociais ou aquelas formuladas pelos próprios agentes do sistema político, ao mesmo tempo em que articulam os apoios necessários. Na realidade, o próprio atendimento de demandas deve ser um fator gerador de apoios, como bem preceitua Rua(1998) e salienta ainda que de qualquer forma, é na tentativa de processar demandas que se desenvolvem aqueles ‘procedimentos formais e informais de resolução de conflitos’ que caracterizam a política.
Atualmente no Brasil, as políticas públicas  devem atuar dentro de previsões e limites orçamentários conforme aduz Jund (2008), sendo a Consultoria Jurídica do Ministério da Saúde: “[...]  a unidade responsável por apoiar as ações do Ministério da Saúde, de forma que as políticas públicas, o gasto com a saúde e a elaboração de normas, na esfera do SUS, respeitem a Constituição Federal e toda a legislação brasileira.”(Ministério da Saúde, 2009).
Como pondera Lopes(2007): “ Sem os planos, sem os orçamentos, nada de política pública pode ser implementado”, por esta razão como assegura o autor:

[...] para a compreensão das políticas públicas é essencial compreender-se o regime das finanças públicas. E para compreender estas últimas é preciso inseri-las nos princípios constitucionais que estão além dos limites do poder de tributar.Elas precisam estar inseridas no direito que o Estado recebeu de planejar não apenas suas constas mas de planejar o desenvolvimento nacional, que inclui e exige a efetivação de condições de exercício dos direitos sociais pelos cidadãos brasileiros.(Lopes,2007,p.133)  

Conforme informações disponibilizadas na página eletrônica do Senado Federal do Brasil, as políticas públicas que se referem, por exemplo,  a saúde e também a educação, são geridas por ministérios próprios, que mantém  a formulação de políticas públicas em razão da implementação de novos programas e ações do governo, respeitando os dispositivos constitucionais.
No que se refere ao direito à saúde, conforme dados do Ministério da Saúde, atualmente conta com diversos programas para  garantir a efetividade de tal direito, dentre os quais se pode citar os programas: Saúde da Família e Farmácia Popular, que tem a finalidade respectivamente de “atuar na manutenção da saúde e na prevenção de doenças, alterando, assim, o modelo de saúde centrado em hospitais” e  “ampliar o acesso da população a medicamentos essenciais, vendidos a preços mais baixos que os praticados no mercado.”.
O Ministério da saúde, de acordo com dados disponíveis em sua página eletrônica se define como: “[...] órgão do Poder Executivo Federal responsável pela organização e elaboração de planos e políticas públicas voltados para a promoção, prevenção e assistência à saúde dos brasileiros.”.
 E ainda complementa informando que sua função é: “[...] dispor de condições para a proteção e recuperação da saúde da população, reduzindo as enfermidades, controlando as doenças endêmicas e parasitárias e melhorando a vigilância à saúde, dando, assim, mais qualidade de vida ao brasileiro.”.
No que concerne ao objeto secundário do presente estudo que não pôde ser avaliado sem todas as premissas do direito à saúde por ser parte integrante e essencialmente importante para a efetivação do mesmo, a cobertura vacinal, têm-se o Programa Nacional de Imunizações, também instituído pelo Ministério da Saúde:

Com o objetivo de promover a vacinação da população brasileira e assim diminuir, ou até mesmo erradicar, várias doenças no território brasileiro, o Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Vigilância em Saúde, mantém o Programa Nacional de Imunizações (PNI).
Criado em 1973, o PNI contribuiu de forma significativa para a erradicação da febre amarela urbana e da varíola no Brasil. Outro resultado de destaque é a ausência de registros da paralisia infantil há 14 anos e do sarampo há três. Além da imunização de crianças, o PNI também prevê a vacinação de adultos, principalmente de mulheres em idade fértil e de idosos a partir de 60 anos de idade. (Ministério da Saúde, 2009).    


Os aduzidos programas fazem parte da adoção de políticas públicas para a promoção da saúde, sendo assim a constatação  de que políticas públicas,quando elaboradas e geridas com eficiência se  tornam essenciais para a efetivação dos direitos dispostos constitucionalmente,se torna clara e evidente:

A contínua melhoria da qualidade das políticas públicas e sua efetividade junto à sociedade é um princípio que eleva os desafios para a gestão pública e ressalta a importância da avaliação da ação governamental. Nesse sentido, os resultados apresentados no Relatório de Avaliação do PPA 2008-2011 devem ser debatidos, de modo a permitir o avanço da democracia na interação entre o Estado e a Sociedade. (Ministério da Saúde,2009).

Como se vive em uma sociedade moderna repleta diariamente de novos anseios e necessidades, a elaboração bem como a execução de tais programas deve ser avaliada de forma freqüente, não podendo se esquecer de todos os princípios constitucionais e administrativos nos quais devem se fundamentar todas as decisões e ações da administração pública.
A democracia proposta pelo Estado democrático de direito, consegue ser reconhecida e não só idealizada  quando o representante do povo eleito democraticamente consegue agir usando o poder de representação popular a ele conferido de forma acertada resultando no direcionamento de tais programas e ações que tem toda a sua formalização extremamente bem distribuída a uma execução efetiva.
Comparato(1997), no que se refere aos direitos fundamentais que devem ser concretizados através das políticas públicas, considera que:

[...]uma das grandes insuficiências da Teoria dos Direitos Humanos é o fato de não se haver ainda percebido que o objeto dos direitos econômicos, sociais e culturais é sempre uma política pública. A generalidade dos autores continua a repetir, sem maior aprofundamento, que se trata de direitos a uma prestação estatal positiva, em contraste com o dever de abstenção dos Poderes Públicos, característico das liberdades individuais. Mas, como o direito a uma prestação estatal positiva supõe uma relação direta do titular com o Estado, tropeça-se, inevitavelmente, com o obstáculo pragmático de que, salvo em raras hipóteses, das quais me ocuparei mais adiante, o ordenamento jurídico não cria pretensão e ação individual do particular contra os Poderes Públicos, para a realização desses direitos. É claramente impossível compelir o Estado a providenciar imediatamente, a todos os que o demandem, um posto de trabalho, uma moradia, uma vaga em creche, um tratamento médico-cirúrgico de alta complexidade, e outras prestações dessa natureza. (Compara to,1997).

Sendo o direito à saúde composto de diversos elementos, entre eles a cobertura vacinal  a qual será tratado no capítulo seguinte, que dependem intrinsecamente da ação efetiva de decisões do poder público para que torne o direito à saúde plenamente realizada. 
È corrente a afirmação por todos os operadores do direito que o ordenamento Constitucional brasileiro vive atualmente sob a  égide do Estado democrático de direito. Esta afirmação e até mesmo a nomenclatura deste modelo de Estado representa de imediato a idéia de democracia, mas vale salientar que o paradigma do Estado Democrático de Direito, não fica restrito apenas a idéia de democracia em sentido restrito, mas sim em sentido lato, sendo que na visão de Guerra (2006), a democracia se define como:

[...] o regime em que o povo conduz as relações de poder que regulam a vida em sociedade. Esse regime popular em que o povo dirige tem, portanto, como atributo primeiro: o de ter o povo como a nascente de todo o poder. Porém isso não é satisfatório: é necessário que ele o exerça, direta ou indiretamente. (Guerra,2006,p.41).

Concernente a definição de democracia trazida por Guerra (2006), dispõe o Art. 1º § único da Constituição de 1988: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos  ou diretamente, nos termos desta Constituição.”.
Galuppo(2002), afirmam que, só na democracia o direito pode se desenvolver de forma a cumprir sua tarefa de permitir a coexistência de diferentes projetos de vida sem ferir as exigências da justiça e de segurança, necessárias à integração social. 
Conforme os ensinamentos de Barroso(2009):

A idéia de Estado Democrático de direito, consagrada no art. 1º da Constituição brasileira, é a síntese histórica de dois conceitos que são próximos, mas não se confundem: os de constitucionalismo e de democracia. Constitucionalismo significa, em essência, limitação do poder e supremacia da lei (Estado de direito, rule of law, Rechtsstaat). Democracia, por sua vez, em aproximação sumária, traduz-se em soberania popular e governo da maioria. (Barroso, 2009, p.10)

A promulgação da Constituição de 1988, como já brevemente abordado pode ser considerada uma grande conquista para a inclusão de vários direitos ao ordenamento jurídico constitucional, sendo que a promulgação de tal Constituição representa no Brasil, a assunção do Estado Democrático de Direito.
Como dispõe o art. 1º da Constituição de 1988, supra citado os fundamentos do Estado Democrático de Direito serão: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.  
 A assunção paradigmática do Estado Democrático de direito, aqui no Brasil, agregada a promulgação da Constituição de 1988, representou como bem apresenta Barroso(2009) uma grande mudança com relação às normas constitucionais, sendo esta a atribuição do status de norma jurídica à norma constitucional. 
Barroso (2009), ainda complementa que: “ Superou-se, assim o modelo que vigorou na Europa até meados do séc. XIX, no qual a Constituição era vista como um documento essencialmente político, um convite à atuação dos poderes públicos”.
No Brasil, como leciona Barroso (2009), O debate acerca da força normativa da Constituição só chegou, de maneira consistente, ao longo da década de 80, tendo enfrentado as resistências previsíveis.

Além das complexidades inerentes à concretização de qualquer ordem jurídica, padecia o país de patologias crônicas, ligadas ao autoritarismo e à insinceridade constitucional. Não é surpresa, portanto, que as constituições tivessem sido, até então, repositórios de promessas vagas e de exortações ao legislador infraconstitucional,sem aplicabilidade direta e imediata.(Barroso,2009,p.263).  

A Constituição de 1988 exerce um papel de suma importância com relação aos princípios no Estado Democrático de Direito, como argumenta Galuppo(2002):

 “Apesar de não poder ser concebida como o único repositório destes princípios, é tarefa dela, por excelência, indicar (e preservar) aqueles princípios reputados mais importantes pelos cidadãos por intermédio do representante constituinte sensível à sociedade. A concorrência entre princípios constitucionais revela uma característica fundamental da sociedade em que existe um Estado Democrático de Direito: não é possível hierarquizar os princípios constitucionais porque eles são igualmente valiosos para uma auto-identificação de uma sociedade pluralista.” (Galuppo, 2002, p. 198).              

Assim, a Constituição de 1988 consiste em um documento pelo qual se afirma e regulamenta de forma efetiva o Estado Democrático de Direito, sendo que as normas a partir de então como afirmado por diversos doutrinadores deixam de atuar como normas meramente programáticas e ganham  prerrogativas de normas dotadas de plena executoriedade.  
Os direitos fundamentais sociais previstos pela Constituição no art. 6º, incluindo o direito à saúde, passam a ser reconhecidamente considerados como direitos que devem ser realizados de acordo com ações  políticas que sejam inerentes a  democracia, já que se está vivenciando um paradigma estatal onde a democracia é o ponto central de toda e qualquer decisão política, por esta razão existe a necessidade da realização de políticas públicas para efetivação dos direitos sociais, pois cabe aos representantes do povo eleitos democraticamente a árdua tarefa de fazer com que estes direitos previstos pela Constituição Federal, não mais dispostos como mero orientadores das ações do poder público, sendo agora normas constitucionais as quais exigem ações positivas do Estado para sua concretização, sejam plenamente efetivados.  


7  A cobertura vacinal vista como um elemento essencial para a efetivação do direito à saúde no Brasil



Como se pode ver na apresentação dos aspectos históricos do direito à saúde no Brasil, desde a época da colonização, a primeira preocupação do Estado com relação à saúde pública foi o controle de endemias que se dava através da aplicação de vacinas.
A elaboração de políticas públicas que visem a  redução do risco de doenças e de outros agravos disposta pelo art. 196 da Constituição Federal de 1988, bem como o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a proteção da saúde prevista pelo mesmo artigo, se refere diretamente a questão das imunizações, visto que dentre outras medidas de proteção à saúde,  as ações de imunização podem consideradas primordiais.
A redução do risco de doenças também encontra grandes resultados, através das imunizações, segundo informações  do Ministério da Saúde, o Programa Nacional de Imunizações (PNI)  criado em 1973 pelo próprio Ministério, administrado pela  Secretaria de Vigilância em Saúde, têm o objetivo de promover a vacinação da população brasileira, diminuindo ou até mesmo erradicando várias doenças no território brasileiro:

 [...] o PNI contribuiu de forma significativa para a erradicação da febre amarela urbana e da varíola no Brasil. Outro resultado de destaque é a ausência de registros da paralisia infantil há 14 anos e do sarampo há três. Além da imunização de crianças, o PNI também prevê a vacinação de adultos, principalmente de mulheres em idade fértil e de idosos a partir de 60 anos de idade. Leia mais sobre o programa. A Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) coordena o Programa Nacional de Imunizações (PNI). Define normas e procedimentos técnicos, mediante ações estratégicas sistemáticas de vacinação da população, com base na vigilância epidemiológica de doenças imunopreveníveis e no conhecimento técnico e científico da área. Também é papel da SVS a aquisição, conservação e distribuição dos imunobiológicos que integram o PNI. O MS, por meio do PNI, em atenção a Constituição da República Federativa do Brasil e a Lei Orgânica da Saúde, com vistas ao atendimento eqüitativo da população brasileira, oferecem os chamados imunobiológicos especiais, disponibilizados nos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais – CRIE, estes destinados a vacinação de grupos portadores de quadros clínicos especiais, isto é, portadores de imunodeficiências, seus comunicantes, usuários que apresentaram evento adverso pós-vacinação aos imunobiológicos disponibilizados pelo MS e profilaxia pré e pós-exposição aos agentes imunopreveníveis. Além disso, grupos, como a população indígena. Encontra-se em discussão recomendações de vacinas para viajantes nacionais e internacionais. (Ministério da Saúde,2009).
Anterior a criação do Programa Nacional de Imunizações (PNI), a vacinação no Brasil já havia sido instituída desde 1804, como se pode constar no histórico da vacinação apresentado pelo Ministério da Saúde:
1804 - Instituída a primeira vacinação no País - contra a varíola; 1885 - Introdução da primeira geração da vacina anti-rábica; 1897 - Primeira geração da contra a peste; 1904 - Decreto da obrigatoriedade da vacinação contra varíola; 1937 - Produção e introdução da vacina contra a Febre Amarela; Início da década de 1950 - implantação do toxóide tetânico (TT) e a vacina DTP, em alguns estados; 1961 - Primeira campanha contra a poliomielite, projeto experimental em Petrópolis – RJ e Santo André – SP; 1962 - Primeira campanha nacional conta a varíola; 1967 - Introdução da vacina contra o sarampo para as crianças de oito meses a quatro anos de idade; 1968 - Inicia-se a vacinação com a vacina BCG; 1970 - Registros oficiais do Ministério da Saúde sobre casos de doenças preveníveis por vacinação: 11.545 casos – poliomielite, 1.771 casos – varíola, 10.496 casos – difteria, 81.014 casos – coqueluche, 109.125 casos – sarampo, 111.945 casos – tuberculose; 1971 - Ocorrência no Brasil do último caso de varíola; 1973 - Criado o Programa Nacional de Imunizações – PNI; 1975 - Instituições do Programa Nacional de Imunizações - PNI e do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (Lei 6.259); 1976 - Regulamentado o PNI; 1977 - Instituído em Portaria nº. 452 o primeiro Calendário Básico e o Cartão de Vacinas com as vacinas obrigatórias para os menores de 1 ano de idade; 1992 a 2002 - Implantações gradativas nos estados da vacina dupla (sarampo e rubéola) ou tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola); 1996 - Redefinição das estratégias de vacinação contra Hepatite B em menores de 1 ano de idade em todo o país e ampliação da faixa etária para 15 anos na Amazônia Legal, SC, ES, PR e DF; 1999 - Substituição da vacina TT pela dupla tipo adulto (difteria e Tétano) no calendário básico para a faixa etária de 7 anos e mais; 2002 - Introdução da vacina Tetravalente para os menores de 1 ano; 2003 – Atualização do calendário na faixa etária de 12 meses a 11 anos de idade; 2004 - instituído o. Calendário Básico de Vacinação em Portaria de nº. 597; 2004 - Campanha de Vacinação de Seguimento contra Sarampo Caxumba e Rubéola para as crianças de 12 meses a 4 anos, na qual foram vacinadas 12.777.709 crianças, 92.80% de cobertura vacinal; 2006 - inclusão da vacina contra o rotavírus humano para os menores de 6 meses de idade. (Ministério da Saúde, 2009).

Barcellos(2008), afirma que existem diversas interpretações doutrinárias as quais consideram que o direito à saúde, mesmo considerado como um direito fundamental não tem como característica a aplicação direta e imediata, pois algumas prestações devidas à efetivação de tal direito, se debatem com restrições constitucionalmente fundamentadas que limitam a aplicação de tal direito dentro desta característica inerente aos direitos fundamentais.
Tal consideração se faz permitida, pois como o direito a saúde encontra-se entre a dicotomia das políticas públicas devendo ter todo o seu gasto previsto pelo orçamento público e as leis orçamentárias que limitam os gastos através de percentuais de distribuição eqüitativos não alocando uma maior parcela de recursos financeiros em um determinado setor em detrimento  a outro, pois os direitos fundamentais que devem ser efetivados não se encontram em apenas um setor, dispõe o art. 6º da Constituição Federal: o direito à educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, a proteção à maternidade e á infância e a assistência aos desamparados, tendo que ser todos estes financiados de forma direta e indireta, e geridos também direta ou indiretamente pelo Estado.
Apresenta-se a partir desta exposição de direitos fundamentais o seguinte questionamento: Como dar condição ao indivíduo de acesso a qualquer destes direitos se a proteção à saúde não estiver garantida? Ou ainda como se governar  um país que se vê assolado por doenças endêmicas não controladas através de campanhas de vacinação?
Considera-se  que a proteção à saúde possui caráter fundamental dentro do rol dos direitos fundamentais dispostos pela Constituição, e até mesmo mediante as ações e serviços públicos de saúde, como dispõe o art.198, II, da Constituição Federal de 1988: “ As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada  e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: [...] atendimento integral, com prioridade as atividades preventivas.”.
Então se pode considerar que a cobertura vacinal deve ser vista como um elemento essencial para a efetivação do direito à saúde no Brasil, visto que a Constituição Federal de 1988 apresenta a prioridade das atividades preventivas, sendo a cobertura vacinal parte integrante de tais ações.

                            

7.1 O Calendário Básico de Vacinação da Criança e as Vacinas não Disponibilizadas pela Rede Pública



O Ministério da saúde, dentro de sua competência realiza a distribuição de vacinas de acordo com a disposição do calendário básico de vacinação.
Conforme informações do Ministério da Saúde são adotados quatro Calendários básicos de vacinação desde  2004, sendo  o da criança, o do adolescente e o do adulto e idoso. Vacinas, doses e períodos de vacinação são definidos por eles.
 O calendário básico de vacinação da criança, atualmente conta com a distribuição de seis vacinas diferentes, que tem sua aplicação disposta conforme a faixa etária da criança que corresponde ao período de maior risco de contrair determinadas doenças.
Como aduzido por Migowski e Reis (2007):

Os calendários de vacinação são instrumentos que servem para orientar os médicos e profissionais de saúde que lidam com vacinas, em relação ao número de doses de cada imunobilógico e os intervalos recomendados, em geral o intervalo mínimo, entre as doses. Informam também a idade mínima para a administração de determinadas vacinas.( Migowski e Reis (2007).


Os calendários básicos de vacinação são documentos que tem atualização periódica e em razão desta periodicidade, como descreve Migowski e Reis (2007), a Sociedade Brasileira de imunizações (SBIm) e a Academia Americana de Pediatria (AAP) divulgam calendários todos os anos. As alterações são baseadas na incidência de doenças,novas pesquisas e a opinião de especialistas.
No Brasil, a divulgação dos calendários de vacinação é realizada por três instituições, de acordo com informações do Ministério da Saúde, sendo elas: O Ministério da Saúde por meio do Programa Nacional de Imunizações (PNI), que publica calendários para crianças, adolescentes e adultos/idosos; a segunda é a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), que publica um calendário vacinal para crianças e adolescentes; e a terceira Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), que publica todos os anos calendários atualizados para a vacinação de crianças, adolescentes, adultos, mulheres gestantes ou não, e mais recentemente o calendário vacinal para o bebê prematuro. 
Mesmo sendo o calendário básico de vacinação da criança brasileiro composto de doze vacinas que conseguiram erradicar e controlar diversas doenças endêmicas, que apenas por algumas questões diversas da distribuição da vacinas pela rede pública, não conseguiram ainda atingir um número inteiramente satisfatório, tem-se ainda um significativo número de vacinas que são distribuídos apenas pela rede particular, por esta razão há diferenças entre os calendários de vacinação da rede pública e da rede particular. Como aponta Silva(2009) : “[...] a grande maioria das doenças não podem ser prevenidas por vacinação,mas atualmente existem no mercado diversos tipos de vacinas,que não são de conhecimento da maioria da população por não estarem incluídas no calendário básico da rede pública.”
Como são avaliados para inclusão no calendário básico de vacinação a ocorrência de doenças endêmicas, existem variações entre os calendários de vacinação disponibilizados pela rede pública de acordo com a ocorrência de alguma endemia  em determinada região do país.
As vacinas não disponibilizadas pela rede pública têm custos elevados e de acordo com valores informados pela revista época, totalizam  o valor de oitocentos e quarenta reais, representando assim praticamente o dobro do valor do salário mínimo vigente que é de quatrocentos e sessenta e cinco reais, e que encontra previsão Constitucional no art. 7º, IV, a previsão de ser fixado em lei para atender as necessidades vitais básicas.
Entende-se que a saúde, principalmente no que se refere a sua proteção, deve ser tida como uma necessidade vital básica, no entanto considerar a saúde como uma necessidade vital básica que deve ser coberta pelo salário mínimo torna-se contraditório, já que a saúde a partir da Constituição de 1988 é considerada como um direito de todos e dever do Estado.      
Como bem entende Lima (2006): “  [...] seria logicamente impossível aceitar a possibilidade de limitação de um direito fundamental [..]”.
De acordo com algumas informações da Secretaria de Saúde do Estado de Minas Gerais:

O calendário básico do Programa Nacional de Imunizações dá passos para se igualar ao calendário ideal estabelecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria e Associação Brasileira de Imunizações (SBIm, com a inclusão das vacinas pneumo-10 e meningite meningocócica C, na rede de saúde pública nacional estadual. A imunização possibilitará o combate a doenças que são as principais causas de óbitos entre crianças menores de cinco anos. (Secretaria de Saúde do Estado de Minas Gerais, 2009).

A aproximação entre o calendário básico de vacinação disponibilizado pela rede pública e o calendário considerado ideal estabelecido pela Associação Brasileira de Imunizações até o momento trata-se apenas de mera notícia,  pois de acordo com a Juliana Castro[§], em Formiga as vacinas poderão ser inclusas até 2010: "Até o momento, o que chegou para nós aqui na secretaria foi uma correspondência falando da inclusão das vacinas na rede pública, mas oficialmente, por agora ainda nada, para 2010 é certo, mas ainda não temos data. Então temos que aguardar mais informações da Secretaria do Estado”. [**]
Uma das principais justificativas dadas pelo Estado para não inclusão de todas as vacinas disponíveis no mercado é a questão dos custos elevados de tais vacinas.
De acordo com Temporão[††] (2009), a disponibilidade para a rede pública  das vacinas que estão disponíveis  no mercado, representa um considerável aumento no orçamento público, pois representa uma prestação continuada que necessita de disponibilidade  periódica, e além da questão dos custos, o Ministério da saúde com certeza fará a inclusão destas vacinas ao calendário básico de vacinação da criança de acordo com as necessidades que vierem a ser apresentadas.   
Os critérios utilizados para se considerar a necessidade de inclusão de vacinas no calendário básico de vacinação da criança, conta de acordo com Indriunas(2006), com a ocorrência de surtos da doença.
Em Junho de 2006, ocorreu na cidade de Muriaé/ Minas Gerais um surto de meningite bacteriana e meningite meningocócica do soro grupo C, de acordo com dados do Ministério da Saúde, sendo que as vacinas que são responsáveis pela imunização de tais doenças não estão disponibilizadas pela rede pública, com a seguinte justificativa:

A indicação do uso de vacinas para o controle de surtos de meningite meningocócica é excepcional, só aplicável quando existe a comprovação de que o agente infeccioso que provoca esta doença esteja circulando entre faixas etárias que normalmente não são as mais afetadas. Existem vários tipos de meningococo que são responsáveis por casos de meningite. No Brasil, os principais são os pertencentes aos sorogrupos B e C. As vacinas contra esta doença são específicas para cada sorogrupo e produzem imunidade de curta duração (de um a dois anos). Por isso, são recomendadas exclusivamente para o controle de surtos.(Brasil,2006).


O   informe técnico ainda considera que:


O Direito à Saúde implica na utilização de medidas sanitárias adequadas. Lembra-se ainda que os imunobiológicos, por mais seguros que sejam, também são passíveis de desencadear eventos adversos, o que significa dizer que a indicação do seu uso tem que atender a critérios técnicos objetivos, para que não seja criada uma falsa sensação de segurança na população.(Brasil,2006).


Com base nas informações editadas pelo informe técnico, consegue visualizar a efetividade do direito à saúde, que como mesmo afirma o aduzido informe: “[...] implica na utilização de medidas sanitárias adequadas.”, restrita a um caráter técnico.
Claramente e principalmente no que se refere à saúde, tem-se realmente a necessidade de uma análise técnica para que seus gastos apresentados no orçamento público  sejam direcionados de forma eficiente, pois há atualmente toda uma organicidade estabelecida dentro do sistema de saúde, que deve permanecer atuando em sintonia com todos os princípios que direcionam a  atuação da administração pública, mas não podendo deixar em segundo plano a efetividade de direitos fundamentais os quais dispõe a nossa lei maior: A Constituição Federal de 1988.


8 A efetividade do direito à saúde no Estado democrático de direito e a posição do poder judiciário



Antes de se iniciar a abordagem a efetividade do direito à saúde, faz-se necessário conceituar o termo efetividade.
Como bem preceitua Barroso(2009), existe tradicionalmente a análise doutrinária dos atos jurídicos em geral, e os atos normativos em particular em três planos distintos: o da existência (ou vigência), o da validade e o da eficácia. Mas como mesmo afirma o autor, foi negligenciado por parte da doutrina durante um longo tempo um quarto plano, sendo este: o da efetividade ou eficácia social da norma.
Para Barroso(2009):


A idéia de efetividade expressa o cumprimento da norma, o fato real de ela ser aplicada e observada, de uma conduta humana se verificar na conformidade de seu conteúdo. Efetividade, em suma,significa a realização do direito, o desempenho concreto de sua função social.Ela representa a materialização, do mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível,entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social.(Barroso,2009,p.220).    


A efetividade dos direitos, como expressa a idéia aduzida, deixa para trás a idéia da simples aplicação do texto da norma, adotada pelo positivismo jurídico, que como aduz Bobbio (1995): “[...] nasce do esforço de transformar o estudo do direito numa verdadeira e adequada ciência que tivesse as mesmas características das ciências físico-matemáticas, naturais e sociais.”.
Assim a ciência do direito deixaria de pertencer ao campo das ciências sociais aplicadas, para se tornar integrante das ciências exatas. Não havendo a possibilidade de  seguir todas as necessidades e os anseios sociais se utilizando de uma ciência que permanece inerte a qualquer fato social, pois a sociedade não se trata de um fator estático não podendo de forma alguma ficar arraigada a uma ciência que permanece com seus conceitos e suas teorias estagnadas.
Como posteriormente complementa Bobbio (1995), a ciência defendida pelo positivismo jurídico, consiste na distinção entre juízos de fato e juízos de valor, excluindo do campo científico os juízos de valor, sendo o motivo dessa distinção e dessa exclusão a natureza distinta desses dois tipos de juízo, sendo que:

O juízo de fato representa uma tomada de conhecimento da realidade, visto que a formulação de tal juízo tem apenas a finalidade de informar, de comunicar a um outro a minha constatação; o juízo de valor representa, ao contrário, uma tomada de posição frente à realidade, visto que sua formulação possui a finalidade não de informar, mas de influir sobre o outro, isto é, de fazer com que o outro realize uma escolha igual a minha e, eventualmente, siga certas prescrições minhas. (Bobbio,1995,p.135).


Bobbio, ainda exemplifica: “ [...] diante do céu rubro do pôr-do-sol, se eu digo: “o céu é rubro”, formulo um juízo de fato; se digo “este céu rubro é belo”, formulo um juízo de valor.” Faz-se notar  que o juízo de fato esta relacionado a uma premissa lógica, que pode ser visualizada da mesma forma por qualquer que seja aquele que estiver observando enquanto o juízo de valor agrega a lógica visualizada a um valor dado a ela, que pode variar de acordo com aquele que o observa.
Assim como já abordado, a efetividade do direito à saúde, assim como de outros demais direitos fundamentais tem uma ligação extrema com a realização de políticas públicas, até mesmo porque de acordo com o conceito de efetividade já apresentado, um direito considerado efetivado é aquele que foi realizado na esfera fática, possuindo consequentemente uma ampla vinculação com o poder público, esta vinculação como expõe Sarlet (2009):

[...] se justifica pelo fato de que, em nosso direito constitucional, o postulado da aplicabilidade imediata das normas de direitos fundamentais art.5º, § 1°, da CF ) pode ser compreendido como uma mandato de otimização de sua eficácia, pelo menos no sentido de impor aos poderes públicos a aplicação imediata dos direitos fundamentais, outorgando-lhes, nos termos desta aplicabilidade, a maior eficácia possível.   


A efetividade reconhecida constitucionalmente criou precisamente a necessidade de tornar as normas constitucionais dotadas de total exigibilidade, como aponta Barroso(2009):


O reconhecimento de força normativa às normas constitucionais foi uma importante conquista do constitucionalismo contemporâneo. No Brasil, ela se desenvolveu no âmbito de um movimento jurídico-acadêmico conhecido como doutrina brasileira da efetividade. Tal movimento procurou não apenas elaborar as categorias dogmáticas da normatividade constitucional, como também superar algumas crônicas disfunções da formação nacional, que se materializavam na insinceridade normativa, no uso da Constituição como uma mistificação ideológica e na falta de determinação política em dar-lhe cumprimento. A essência da doutrina da efetividade é tornar as normas constitucionais aplicáveis direta e imediatamente, na extensão máxima de sua densidade normativa. (Barroso,2009,p.3).

A partir do momento em que a norma constitucional passa a ser dotada de plena exigibilidade, como aponta Barroso( 2009): “[...] O Poder Judiciário, como conseqüência, passa a ter papel ativo e decisivo na concretização da Constituição.”.
Ao Judiciário assumir este papel, surge questionamentos diversos no que diz respeito à sua atuação, visto que alguns doutrinadores consideram determinadas normas constitucionais como meras normas programáticas, como por exemplo, o  art. 196 que declara o direito à saúde e exige a ação do Estado através de políticas públicas para a promoção deste, podendo o Estado exercer tais ações discricionariamente, não sendo, portanto exigíveis judicialmente. Miranda, citado por Moraes (2009, p.14), afirma que as normas programáticas:

São de aplicação diferida, e não de aplicação ou execução imediata; mais do que comandos-regras, explicitam comando-valores; conferem elasticidade ao ordenamento constitucional ; têm como destinatário primacial – embora não único – o legislador, a cuja opção fica a ponderação do tempo e dos meios em que vêm ser revestidas de plena eficácia (e nisso consiste a discricionariedade); não consentem que os cidadãos ou quaisquer cidadão as invoquem já (ou imediatamente após a entrada em vigor da Constituição),pedindo aos tribunais o seu cumprimento só por si, pelo que pode haver quem afirme que  os direitos que delam constam, máxime os direitos sociais, têm mais natureza de expectativas que de verdadeiros direitos subjectivos; aparecem muitas vezes, acompanhados de conceitos indeterminados ou parcialmente indeterminados.(Moraes,2009,p.14) .  

Rios (2009) justifica a intervenção do poder Judiciário com o escopo de prover a efetividade do direito à saúde por meio da atuação devida das políticas públicas, da seguinte forma:    


O direito à saúde também tem eficácia direta e imediata em face do Poder Judiciário que, diante das políticas públicas definidas e implementadas, tem o dever de garantir aos cidadãos os direitos subjetivos e em toda a sua extensão ali previstos. Essa eficácia imediata e direta do direito fundamental à saúde vai além, para o Poder Judiciário: diante de uma política pública definida legislativamente e bem executada pela Administração, ele pode ser chamado a definir se o conteúdo jurídico do direito à saúde alcança alguma outra prestação positiva, vale dizer, aferir a existência de direito decorrente diretamente da Constituição (direito originário à prestação de saúde) a alguma prestação de saúde, observadas as condições jurídicas e fáticas pertinentes. Isso é o que ocorre na maioria das ações, pleiteando o fornecimento de medicamentos: um provimento judicial que afirme a eficácia originária do direito à saúde a fim de obrigar a Administração a conceder medicação além daquilo que foi definido e previsto nas listas oficiais de medicamentos. (Rios,2009)

Mas como já abordado, os direitos fundamentais, sobretudo o direito à saúde, não podem ser interpretados desta forma, pois abrem estes vistas a  um amplo campo de interpretação em favor de sua realização, e dentro da visão constitucionalista contemporânea devem ser realizados na máxima extensão possível, sendo dotados de plena executoriedade. Neste sentido posiciona-se o Supremo Tribunal Federal :

A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA, A PESSOAS CARENTES, DE MEDICAMENTOS ESSENCIAIS À PRESERVAÇÃO DE SUA VIDA E/OU DE SUA SAÚDE: UM DEVER CONSTITUCIONAL QUE O ESTADO NÃO PODE DEIXAR DE CUMPRIR. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, "caput", e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. (Brasília, STF. 2006. RE 393175. Relator:  Min. Celso de Mello).

Assim como a presente decisão outras demais que tratam o direito à saúde, se utilizam da mesma fundamentação do Ministro relator do acórdão acima aduzido. 
Como mesmo discorre Barroso(2009): “Durante muito tempo a subsunção foi o raciocínio padrão na aplicação do direito. Como se sabe, ela se desenvolve por via de um raciocínio silogístico, no qual a premissa maior- a norma- Incide sobre a premissa menor-os fatos-, produzindo um resultado, fruto da aplicação da norma ao caso concreto”, mas como mesmo argumenta o autor  a subsunção é  essencial para a execução do direito, mas não suficiente.
A consideração de Barroso (2009) apontando o fato da subsunção não ser suficiente para execução do direito, apesar de essencial se dá pelo fato de mediante ao fato (premissa menor) haver a possibilidade de existir várias premissas maior (a norma), então considerando o princípio da unidade da Constituição onde não pode haver hierarquia das normas a subsunção se torna ineficiente.
Como bem delineado por Pereira(2006):

A Constituição de 1988, como diversas outras cartas, nada diz sobre a possibilidade de sopesar os bens por ela protegidos. Assim como outros métodos e princípios de interpretação constitucional, o recurso à ponderação de interesses não deflui de um comando constitucional expresso,estando vinculado a uma determinada forma de entender o ordenamento jurídico, os direitos fundamentais e as relações entre a função judicial e a legislativa.(Pereira,2006,p.215)

Assim como a Constituição não se remete ao uso da ponderação, também não exclui a possibilidade de que ela seja utilizada. Como bem pontua Barroso (2009), a ponderação nada mais é que um método de interpretação da norma.Nesta mesma linha de pensamento Pereira (2006) faz o seguinte apontamento : “[...] a ponderação não configura uma alternativa excludente à subsunção, mas constitui uma etapa da interpretação destinada a identificar e formular a norma jurídica aplicável,mediante subsunção ao caso concreto.”
A partir da breve explanação no que diz respeito à possibilidade de adequação ao caso concreto quando a um mesmo fato se enquadrar a aplicação de vários princípios constitucionais, pode-se afirmar que no conflito entre princípios, o uso de um destes não irá invalidar o outro que não pode ser utilizado. Consoante aos ensinamentos de Alexy (2008) :

Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com outro permitido-, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa,contudo,nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção.Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. (Alexy,2008,p.93)


O relato da colisão entre princípios faz-se necessário, para que se possa argüir as decisões do poder judiciário no momento em que há o conflito entre determinados princípios, tais como: o princípio da reserva do possível e garantia do mínimo existencial, que são decorrentemente dentre outros,  os princípios que colidem frente a algumas decisões do poder judiciário que tem como mérito a efetividade do direito à saúde.      


8.1 O Princípio da Reserva do Possível e a Garantia do Mínimo Existencial


Como já aduzido a efetividade do direito à saúde está intrinsecamente relacionada com as políticas públicas.
 Decorrentemente, os gastos referentes à execução de tais políticas públicas devem indiscutivelmente  estarem previstos no orçamento público, assim como qualquer gasto público, exigência esta prevista constitucionalmente pelo art.165 da Constituição Federal, o qual exige como sendo de iniciativa do poder executivo a elaboração de leis que façam à previsão ,fiscalizem,direcionem  e publiquem tais gastos.
Quando propostas ações perante o judiciário, pleiteando prestações referentes à saúde como obrigação do poder público, e os gastos do direito ora pleiteando extrapolam o limite de valores previstos no orçamento, a justificativa dada pelo Estado  em reposta a tais ações são limitações de gastos fundadas no princípio da reserva do possível. 
Seguindo os ensinamentos de Rocha (2007),conceitua-se o princípio da reserva do possível como sendo: a limitação financeira que o Estado encontra para arcar com as prestações positivas a ele impostas por uma determinada ordem constitucional.
Barcellos(2002) faz a seguinte consideração:  

Em resumo: a limitação de recursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado. Por outro lado, não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição. (Barcelos,2002,p.245-246)

Limita-se a efetivação de um direito fundamental, tal qual o direito à saúde, por uma questão de ordem orçamentária. O Superior tribunal de Justiça entende que:


O art. 6º da Constituição Federal, que preconiza a saúde como direito social, deve ser analisado à luz do princípio da reserva do possível, ou seja, os pleitos deduzidos em face do Estado devem ser logicamente razoáveis e, acima de tudo, é necessário que existam condições financeiras para o cumprimento de obrigação. De nada adianta uma ordem judicial que não pode ser cumprida pela Administração por falta de recursos. (Brasília,STJ.2009.Ms 28962/MG. Ministro:Benedito Gonçalves).

Quando se refere a um direito fundamental social, de tão importante posição dentro do cenário da ordem jurídica constitucional, tem-se o direto reconhecimento que tal direito tem sua fundamentalidade atrelada a um princípio constitucional que garanta a sua efetividade plena, não só o princípio aqui aduzido, mas com certeza outros demais virão a  fundamentar a defesa irrestrita de sua não efetividade, aqui se trata: a garantia do mínimo existencial.
 O mínimo existencial, de caráter lógico demanda a garantia de condições mínimas para a existência do indivíduo.  
Torres(2009) aponta que quando se fala em mínimo existencial: “[...] há um direito às condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto de intervenção do Estado e ainda exige prestações estatais positivas”.
Tais apontamentos nos levam a percepção evidente de que o direito à saúde compõe a garantia do mínimo existencial. Como salienta Rocha(2009):

Sem o mínimo necessário a existência, cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e desaparecem as condições iniciais de liberdade. A sua proteção positiva se realiza de diversas formas, indicando o autor como exemplos de tutela do mínimo existencial, a entrega de prestações de serviços públicos específico e divisível, como ocorre na prestação jurisdicional, a educação primária, a saúde pública [...]. ( Rocha, 2009).

Quando se trata de garantia do mínimo existencial, não pode haver quaisquer princípios restritivos a esta. Haja vista que não mais fundamental, apesar de não haver hierarquia entre as normas constitucionais, é o direito à vida. 
Coerente com a idéia já referida no presente estudo de que um direito fundamental dentro do Estado do Estado Democrático de Direito, deve ser realizado na máxima extensão possível, o Superior Tribunal de Justiça acorda que:

Merece lembrança, ainda, que a atuação estatal na concretização da sua missão constitucional deve orientar-se pelo Princípio da Máxima Efetividade da Constituição, de sorte que "a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a todos e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da actualidade das normas pragmáticas (Thoma), é hoje, sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais)." (JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, in DireitoConstitucional, 5ª edição, Coimbra, Portugal, Livraria Almedina, p. 1208). Incumbe ao administrador, pois, empreender esforços para máxima consecução da promessa constitucional, em especial aos direitos e garantias fundamentais. Desgarra deste compromisso a conduta que se escuda na idéia de que o preceito constitucional constitui lex imperfecta, reclamando complementação ordinária, porquanto se olvida que, ao menos, emana da norma eficácia que propende ao reconhecimento do direito subjetivo ao mínimo existencial; casos há, inclusive, que a disciplina constitucional foi além na delineação dos elementos normativos, alcançando, então, patamar de eficácia superior que o mínimo conciliável com a fundamentalidade do direito. (Brasília,2007,REsp 811608,Relator: Ministro Luiz Fux).


Considera-se de forma inequívoca que, no que se refere a este entendimento do Tribunal, a efetividade das normas constitucionais e qualquer princípio que esteja a ela relacionado, deve ter primazia em relação a princípios que tendenciem a justificar o fato de não torna-la efetiva.    
O Tribunal na aludida decisão delimita o uso da reserva do possível com a afirmação de que:

A escassez de recursos públicos, em oposição à gama de responsabilidades estatais a serem atendidas, tem servido de justificativa à ausência de concretização do dever-ser normativo, fomentando a edificação do conceito da "reserva do possível". Porém, tal escudo não imuniza o administrador de adimplir promessas que tais, vinculadas aos direitos fundamentais prestacionais, quanto mais considerando a notória destinação de preciosos recursos públicos para áreas que, embora também inseridas na zona de ação pública, são menos prioritárias e de relevância muito inferior aos valores básicos da sociedade, representados pelos direitos fundamentais. O Ministro CELSO DE MELLO discorreu de modo lúcido e adequado acerca do conflito entre deficiência orçamentária e concretização dos direitos fundamentais: "Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à 'reserva do possível' (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, 'The Cost of Rights', 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas. .(Brasília, 2007, REsp 811608,Relator: Ministro Luiz Fux).

Coloca-se diante do critério da ponderação, onde a aplicação de um princípio não faz invalidar um outro. O princípio da reserva do possível só poderá deixar de ser aplicado quando em conflito com a garantia do mínimo existencial, por uma questão de sobrepeso e não por uma questão de hierarquia ou de invalidade deste primeiro. Até mesmo porque em determinadas situações (quando a estas se adequarem) o princípio da reserva do possível terá plena aplicabilidade,cabe a poder Judiciário utilizar-se da ponderação não como o fundamento de uma discricionariedade infundada, mas sim como um critério para o provimento equânime de suas decisões.   
Conforme Barroso (2009):

Uma das instigantes novidades no Brasil dos últimos anos foi a virtuosa ascensão institucional do Poder Judiciário. Recuperadas as liberdades democráticas e as garantias da magistratura, juízes e tribunais deixaram de ser um departamento técnico especializado e passaram a desempenhar um papel político, dividindo espaço com o Legislativo e o Executivo. Tal circunstância acarretou uma modificação substantiva na relação da sociedade com as instituições judiciais,impondo reformas estruturais e suscitando questões complexas acerca da extensão de seus poderes.(Barroso,2009,p.383).


Apesar da divisão do espaço com o Legislativo e Executivo, o Poder Judiciário, como aduz Moraes(2009) é um dos três poderes clássicos previsto pela doutrina e consagrado como poder autônomo e independente de importância crescente no Estado de Direito.       
Na afirmação de Sanches Viamonte, trazida por Silva(2009):

A função do poder judiciário não consiste somente em administrar a Justiça, sendo mais, pois seu mister é ser o verdadeiro guardião da Constituição, com a finalidade de preservar, basicamente, os princípios da legalidade e igualdade, sem os quais os demais tornariam-se vazios (Silva, 2009, p.500).    

Em nenhum momento consegue-se mediante as mais respeitadas considerações doutrinárias, conceber o papel do judiciário como mero executor das normas Constitucionais, visto que, como na afirmação de Viamonte, o seu papel principal é o de guardião da Constituição, devendo atuar então somente nos momentos em que os direitos previstos por tais normas venham a deixarem de ser concretizados.
O Poder Executivo deve ser o principal responsável através de políticas públicas, como previsto Constitucionalmente, por concretizar o direito à saúde, dando à devida atenção às ações preventivas que exigem do poder público, como mesmo afirma a Constituição Federal prioridade em relação às demais ações de saúde.




9 Conclusão



Os direitos fundamentais, do qual fazem parte os direitos sociais inclusive o direito à saúde, passam por um longo processo de constitucionalização, o qual os torna direitos essenciais à existência digna do indivíduo tendo garantias e proteções diferenciadas dentro do ordenamento jurídico-constitucional.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, contando com o quadro evolutivo dos textos constitucionais anteriores, representa para os direitos fundamentais de uma forma geral, o ápice do reconhecimento e de valoração de tais direitos.
O direito à saúde, que acompanhou todo este referido quadro evolutivo dos textos constitucionais, pode ainda mais que os demais direitos fundamentais considerar a Constituição de 1988, como sendo seu ápice, visto que esta é a  primeira Constituição a declará-los expressamente.
No Brasil, a influência de todos os pactos e declarações resultantes de revoluções diversas àquelas ocorridas no Brasil, foi significativa para o processo de constitucionalização de tais direitos.
No Que Diz respeito ao direito à saúde, os paradigmas de Estado, respectivamente sendo o Estado Liberal, o Estado Social e o Estado Democrático de Direito, tem gradativamente o importante papel de torná-lo reconhecido constitucionalmente como um ‘direito de todos e dever do Estado’, reconhecimento este que se inicia no Estado Social e se consolida no Estado Democrático de Direito.
O Estado Democrático de Direito, dentro dos fundamentos Constitucionais os quais lhe são atribuídos, busca efetivar os direitos fundamentais agora consolidados, através da elaboração de políticas públicas, as quais devem ser elaboradas de acordo com todas as normas dispostas constitucionalmente.  
O presente estudo, ao ratificar a hipótese inicialmente suscitada, levantou variáveis relevantes a serem consideradas em outras investigações sobre o mesmo objeto, especialmente quanto à efetivação do direito à saúde mediante a adoção de políticas públicas, assim como no ordenamento jurídico brasileiro. A adoção de tendências interpretativas conservadoras e a observação de limitações impostas à amplitude deste direito, ambas observadas em decisões institucionalizadas pelo Executivo e Judiciário respectivamente, apontam para a dificuldade de implementação do direito à saúde compreendido à luz do Estado Democrático de Direito.
Haja vista que o direito à saúde dentro desta característica preventiva, intimamente  relacionada à proteção do mínimo existencial não pode se colocar em posição de inferioridade no momento em que se conflita com um princípio que se remete a questões orçamentárias, que devem de imediato serem dotadas de plena eficácia no momento de sua elaboração, para que os objetivos e fundamentos do Estado Democrático de Direito não sofram um retrocesso, ao paradigma do Estado Social, onde não se consegue de forma efetiva abarcar todas as prestações as quais se propôs a assumir o Estado, se justificando pela falta da existência de uma contraprestação entre o indivíduo e o Estado, fato este que não se justificaria na vigência do Estado Democrático de Direito, pois no Brasil, atualmente contamos com uma alta carga tributária, havendo recolhimento de impostos e tributos mediante qualquer atividade que o cidadão venha a exercer.
As políticas públicas devem deixar de ser meras expectativas de realização de direitos para se tornarem instrumentos para a efetivação destes, não deixando a cargo do Poder Judiciário a iniciativa de medidas que forçosamente impõe ao poder público a obrigação de uma prestação já constitucionalmente prevista, que muitas vezes se dá de forma equivocada, colocando-a frente  à disposição de direitos defendidas pela nova hermenêutica constitucional.       

ABSTRACT


Referências




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[*] Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais/PUC MINAS ARCOS
Aluna do curso de especialização em Direito Constitucional e Administrativo da Escola Paulista de Direito/EPD
E-mail:fdffguimaraes@bol.com.br
fabianaferreiraguimaraes.blogspot.com

[†] Porfessor Leonardo de Castro: A colonização do Brasil . Disponível em : http://novahistorianet. blogspot.com/2009/01 /colonizao-do-brasil.html. Acessado em:03/10/2009
[‡] Comentário do Ministro da Saúde José Gomes Temporão, em palestra por ele ministrada: “O Direito à saúde e a Constituição de 1988, exibida pela Tv Câmara em 16 de Março de 2009.
[§] Chefe do setor de Epidemiologia,da cidade de Formiga /Minas Gerais.
[**] Reportagem publicada em 08 de outubro de 2009 pela assessoria de imprensa da prefeitura de Formiga/MG.
[††] José Gomes Temporão,Ministro da Saúde,entrevista dada ao jornal Hoje,exibido pela rede Globo de televisão em 23 de Agosto de 2009